Sucessivamente, passam diante de nós os quadros das alterações económicas, da habitação, da indumentária, das refeições triviais e bródios, das ocupações do dia, das horas de desenfado, da urbanidade e dos divertimentos, do luxo e dos desregramentos, da agonia dos velhos deuses e do câmbio da religião em etiqueta, da adversa fortuna e por fim da vitória da filosofia grega e das formas e planos da nova educação. Páginas admiráveis, de apurado saber e gosto, onde o sábio às vezes emparceira com o artista, e sempre espelham a familiaridade com a literatura latina, que em grande parte acudiu ao manuseio e à meditação. Com a educação vigente, verbosa e mimalha, corrosiva do esforço e da qualidade, únicas forças educativas, quem era capaz de escrever páginas tão escrupulosas e concisas? Oh! já que mais não podemos, respeitemos esse longínquo século XIX, que soube ainda educar os homens no culto das coisas finas, e veneremos, com o autor, os que estimaram a beleza antiga, como Castilho, o tradutor incomparável.
Se não fora o severo plano do livro, se o ardor da concisão cedesse, aquém e além, ao frémito da imaginação, e a dialética ao excurso moralizante e filosófico, se ao modo indicativo da exposição acrescesse o optativo e houvesse cingido outras questões igualmente graves e candentes, talvez tivéssemos de saudar no Sr. A. Montenegro a associação da finura penetrante de Boissier à compreensão profunda de Von Ihering.
O autor, porém, modestamente para o seu saber, cuidou apenas em colher a flor da equidade e surpreender a Justiça na proteção do fraco contra a violência, o arbítrio e a ignávia. Por isso, num ritmo de pensamento idêntico ao da primeira parte, contenta-se em marcar as transformações do pátrio poder marital e da tutela das órfãs e viúvas, mostrando, com lúcida clareza, o que foi o igualamento das mulheres às privilegiadas pela maternidade e obtenção de direitos, como a capacidade de testar; a ascendência da jurisdição pública sobre a autoridade doméstica; o trânsito da educação paterna para o mestre; a libertação do filho do absolutismo do pater e, por fim, como os progressos da técnica, da riqueza e da vida folgada, a par das ideias estoicas, deram ao escravo, de coisa que era, o esboço de personalidade, que só o Cristianismo mais tarde lhe conferiu.
A construção mental, a vastidão e o escrúpulo dos informes, a concisão e a pureza literária, são o encanto perdurável deste livro; mas o espírito sistemático, se é um dos seus méritos, é também o seu defeito capital. Ele impediu o autor de abordar e cingir numerosas questões, e se é certo que e seu livro nos ensina com probidade e nitidez em que consistiu a expansão do Direito em Roma, não nos esclarece acerca do que, através da história romana, se furtou ao Direito, isto é, perdurou como violência, injustiça ou arbítrio. Descreve e explica; mas a nossa sede de demonstração nem sempre se dessedenta, notadamente acerca da primitiva família romana e da hipertrofia sociopolítica que ela atingiu.
Obra de historiador não devemos pedir-lhe o que o autor não teve em vista. Louvemos-lhe sim, a probidade científica e o respeito pela dignidade das nossas letras e da nossa língua, por vezes maltratada pela fúria da pressa e pelo desdém da inteligência e gosto alheios. Para quem foi guia a ideia da expansão do Direito e terminou o derradeiro período com as mágicas palavras da igualdade, liberdade e solidariedade, como padrões da evolução jurídica, esse livro não pode ser uma despedida. Ao lê-lo, arrebata-nos o espírito a convicção de que o Direito e a Civilização são uma e a mesma coisa com palavras diversas, e que se a Civilização tem futuro, o seu futuro é o Direito. Se esta é a lição suprema que o Prof. Artur Montenegro dá à nossa sociedade de incertos e de desiludidos, cumpre-lhe o dever de não se quedar, como Fustel de Coulanges, nas muralhas da Cidade Antiga, e de fazer suceder à Conquista do Direito na Sociedade romana, a Conquista do Direito na Sociedade moderna.