Discours Pathétique au sujet des calamités présentes arrivées en Portugal par le Chevalier d'Oliveira. Notícia bibliográfica

A presente edição é cópia da edição dita fac-simile que o bibliógrafo e estudioso da obra do Cavaleiro de Oliveira, Joaquim de Araújo, fez imprimir no Porto, em 1893, na Tipografia Ocidental, adotando-se a mesma mancha tipográfica e estampando-se os mesmos erros. Se as primeiras edições eram raras, mormente entre nós, como é óbvio, — Joaquim de Araújo teve notícia apenas de três exemplares respetivamente existentes no British Museum, numa Biblioteca Parisiense e na livraria do bibliófilo João Evangelista Guerra Rebelo da Fontoura — não se pode dizer que a sua reedição difundisse o conhecimento deste livrinho, pois apenas fez uma tiragem de 36 exemplares, que discretamente distribuiu por bibliófilos e amigos .

 A inacessibilidade subsistia, pois; e, já para a remover, já como fonte para o estudo da cultura portuguesa de Setecentos e das reflexões, correntes de ideias e sentimentos que o terramoto de 1755 suscitou — assunto ainda não suficientemente versado entre nós — resolvemos dá-lo de novo à estampa.     

De seu autor, nada diremos; mas no livrinho e sua ação no vigiado meio intelectual português seu coevo bem merece que se atente um momento.            

Sabia-se que Francisco Xavier de Oliveira, (17024 1783) cavaleiro da Ordem de Cristo, natural de Lisboa, fora relaxado (queimado) em estátua em 1761 por ter escrito este Discours pathétique; mas o certo é que, ao descrevê-lo os bibliógrafos acusavam claramente o seu desconhecimento. Cunha Rivara, o diligente bibliotecário eborense, na notícia apensa à edição que dirigiu na Biblioteca Portuguesa das Cartas do nosso autor (Lisboa, 1855) confessa não ter podido «ver exemplar algum desta obra», conhecendo «apenas o seu conteudo pelo summário, que della fez a sentença do Santo Officio quando a condemnou e a seu auctor». Inocêncio, no Dicionário Bibliográfico (vol. III, n.° 2010), repetindo o título que Rivara referira — Discursos patheticos a respeito das calamidades presentes sucedidas em Portugal, dirigidos aos seus compatriotas e em particular a S. M. E — acrescenta:          

«Este titulo parece ser a tradução do que a obra tem originariamente na lingua francesa, em que foi impresso em 1756. Foi esta a que serviu de base ao processo que a Inquisição fez a Oliveira. Não sei onde exista algum exemplar della....». 

Solicitada assim a atenção de bibliófilos e estudiosos, não faltou quem a procurasse. O conde de Azevedo, José Comes Monteiro, Augusto Soromenho, e Camilo Castelo Branco baldadamente a pesquisaram .         

Mais afortunado, Joaquim de Araújo conseguiu poder servir-se dum exemplar; e hoje, pela sua reedição, e pela publicação do processo do Tribunal a que chamavam do Santo Oficio , é possível reconstituir este capítulo da bibliografia oliveiriana. Impressionado pelo terramoto, que tão vários sentimentos despertou e tantas ideias sugeriu na política, na ciência e na filosofia, ocupando ainda um momento do pensamento de Kant, o Cavaleiro de Oliveira, ao arrepio da papelada devota que inundava Portugal, oferecia também os seus alvitres.

Na verdade, em 1756, publicava em Londres o Discours pathétique au sujet des calamités présentes, arrivées en Portugal. Adressé a mes compatriotes et en particulier a Sa Magesté Três-Fidéle Joseph I. Roi de Portugal fazendo-o seguir imediatamente, senão acompanhar simultaneamente, duma tradução inglesa. Não vimos a edição francesa; mas pela minuciosa análise que Fr. Domingos da Encarnação dela fez e que adiante vai transcrita, parece-nos poder afirmar-se que o texto era absolutamente conforme à edição de 1762, que agora reproduzimos, divergindo apenas na paginação e no formato. Corrobora ainda este juízo o exame da tradução inglesa de 1756, pois acusa um original conforme a edição de 1762.

Desta tradução inglesa temos presente um exemplar, pertencente ao bibliófilo portuense Sr. Joaquim Gomes de Macedo, que gentilmente no-lo cedeu. É um volume de 52 páginas, cujo frontispício é como segue:

A / Pathetic Discourse / On The Present Calamities / of / Portugal. / Addressed To / His Countrymen, / And, in particular, / To His Most Faithful Majesty, / Joseph, King of Portugal, / By the Chevalier De Oliveyra. / Translated from the French. / London: / Printed for R. Baldwin, at ti-te Rose in Pater-Noster — Row / MDCCLVI (Price One Shilling).

Mal publicado o texto francês seu diserto autor envia-o para Lisboa. O Dr. Joaquim Pereira da Silva Leal, membro da Academia Real da História Portuguesa, tem dele conhecimento em 27 de Junho de 1756. Passando-o pelos olhos, viu logo que «se opunha a religião catholica Romana, aos bons costumes, e que era satírico...», resolvendo delatá-lo «por descargo de consciência».

Prevenida a mesa do Santo Ofício, este, conquanto não tivesse ainda «individual noticia de todos os perniciozos dictames de que trata», propunha como medida imediata a publicação dum edital proibindo a sua leitura e cometendo a obrigação de o denunciar «antes que com o tempo faça menor impressão nos animos dos Portuguezes, este atrivimento, que sugerio o Demonio para arruinar a religião neste Reyno» (13 de Julho de 1756).

De facto, em Outubro deste ano era publicado o seguinte edital, abrangendo mais livros, e que reproduzimos na parte que nos respeita, por o julgarmos inédito:

«Os do Conselho Geral do Santo Officio contra a heretica parvidade, e apostasia nestes Reynos e Senhorios de Portugal, etc.

Fazemos saber a quantos a prezente virem, ou della por qualquer via tiverem noticia, que conciderando Nós a obrigação, que temos não só de proceder contra os que offendem a infallivel certeza da nossa Santa Fé Catholica, mas tambem de prevenir que senão offenda, removendo qualguer occasião de perigo, e mina espiritual: Fomos informados, que nesta Cidade de Lisboa se introduzio, de poucos dias a esta parte, hum caderno em quarto, impresso em Londres na Lingua Francesa com o titulo seguinte =: Discours Pathetique, au Súget des calamites presentes arrivies en Portugal adrese ames compatriotes, et en particularier a Sa Mageste tres Fidele Jozeph 1.º Roy de Portugal par le Chavalier de Oliveyra a Londres 1756 No qual caderno, entre outras muitas, e atrevidas declamaçoens contra a nossa verdadeira Religião, affirma seo Author ser errado o uzo, que tem os Portuguezes na adoração das Sagradas Imagens, sendo nesta parte maiores idolatras, que os que tem havido; e que por este motivo todos os Santos no seu dia depercárão a Deos a total mina de Lisboa, como tambem as almas do Purgatorio a quem os Portugueses suppoem fechadas em hum Purgatorio chimerico, e aquem imaginão ser proveitosas a Orações, e Sacrificios, que por ellas fazem. Impugna a prohibição da Biblia na Lingua vulgar, por que diz que dá occazião a que se ignore a Ley, que se deve observar; e satyriza o tribunal do Santo Officio, a quem chama officina de maldades, e mina do Reino, por impedir a liberdade do Judaismo e castigar por modos extraordinarios os comprehendidos nelle, tirando aos réos a defeza natural. Intenta mais o dito Author persuadir a Sua Magestade Fidelissima, que quando o seu Povo, cheio de erros, clame pela conservação do Santo officio com o fundamento de ser estabelecido por alguns Papas, e por ellas approvado o seu procedimento, assente que isto só o perzuadem os homens ignorantes, e manifestam.' máos, asseverando q os Papas forão os inventores destes erros, e abuzos q reinão em Portugal, como homens q erão viciosissimos, corruptisssimos e m.`" delles homicidas, adulteros, incestuosos, Simoniacos, sacrilegos, impios e Atheistas, que a sua jurisdição só se estende aos Dominios tem na Italia, como Seu Soberano, e á CiD.s' de Roma, como seu Bispo, e q o contrario só o podem persuadir os inimigos do Rey, e os mais Ecclesiasticos deste Reyno cheios de erros, e armados de Sofismas, e artificios.


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