8. Anotações ao De Erratis Orontii Finaei

O De erratis Orontii Fin&i ocupa as pp. 311-372.              

Existem exemplares desta edição na Biblioteca da Ajuda e na livraria do Observatório Astronómico de Lisboa.              

O confronto das três edições mostra que elas divergem somente no aspeto tipográfico, não havendo Pedro Nunes introduzido quaisquer emendas na segunda edição, que saiu em sua vida e, certamente, com a sua revisão. 

Conhecidas as edições, atentemos agora na constituição do texto do De erratis Orontii, começando naturalmente pelo exame das circunstâncias que, segundo o próprio dizer, levaram Pedro Nunes a escrever este livro.

Obra de refutação e de reprimenda, tem por assunto principal os inventos com que Oronce Finé pretendia ter solucionado alguns difíceis problemas de geometria e de cosmografia que no decurso dos séculos ninguém conseguira resolver satisfatoriamente. Mais velho oito anos que Pedro Nunes, nasceu Oronce Finé em 1494, em Briançon, no Dei-finado, e como o nosso cosmógrafo, que foi o primeiro lente de matemática na universidade restaurada em Coimbra, em 1537, assim também o cosmógrafo francês foi o primeiro lecteur royal de matemáticas na instituição que Francisco I acabara de fundar na capital do seu reino.

Na incipiente instituição, que mais tarde haveria de ser designada sucessivamente de Colégio Real e de Colégio de França, que é a gloriosa designação atual, ensinou Oronce desde 1530 até à sua morte, em 1555.

Sem o renome de François Vatable e de Pierre Danés, seus colegas no ensino das línguas sábias, Oronce Finé alcançou, não obstante, larga nomeada, devido à novidade do assunto de alguns dos seus livros, notadamente a Nova tatius Gallie descriptio (1538), à promessa de alguns dos títulos que lhes deu, à diversidade das suas produções, à constância da sua atividade e à própria atitude de renascente, desejoso de rejuvenescer o saber com a lição viva de alguns mestres gregos.

A bibliografia que corre sob o seu nome é variada, repartindo-se pela reedição de escritos de outrem e pela publicação de originais sobre matemática, cosmografia, gnomónica, geografia e tecnologia de alguns instrumentos científicos de observação e de mensuração.

Dois livros, sobretudo, atraíram a curiosidade de Pedro Nunes, sempre atento à produção científica de além-fronteiras respeitante aos assuntos de que se ocupava: a Protomathesis e a miscelânea cujo primeiro escrito é a Quadratura circuli.

A Protomathesis saiu a público pela primeira vez em 1532, com o seguinte título e conteúdo: Orontii Finei Delphinatis, liberalium disciplinarum professoris regii, Protomathesis: opus varium, ac scitu non minus utile quam jucundum, nunc primum in lucem fceliciter emissum. Cujos index universalis, in versa pagina continetur. Parisiis anno 1532.

Cólofon: Excusum est autem ipsum opus Parisiis in vico Sorbonico, impensis Gerardi Morhii et Ioannis Petri Ano MDXXXII. —Vcenundantur autem in eodem vico Sorbonico et Iacobwo apud eundem Ioannem Petrum, sub insigni D. Barbarx.

O volume contém: 1.º Orontii Finei Delphinatis de Aritmetica practica libri IIII; 2.° Orontii Finei Delphinatis de Geometria libri duo. Lutetiw Parisiorum 1530; 3.° Orontii Finei Delphinatis, de Cosmographia sive mundi sphxra libri V. Lutetim Parisiorum 1530; 4.° Orontii Finei Delphinatis, de Solaribus libri 1111. Lutetiw Parisiorum 1531.

Mal escorrido do prelo, Pedro Nunes teve logo conhecimento deste livro, como se deduz do preâmbulo do De erratis Orontii Finxi, em que declara ter tido o propósito, havia treze anos, de advertir Oronce Finé de que não fosse tão precipitado nem tão leviano nas afirmações que lançava a público (vol. III, pp. 5 e 133): havendo saído o De erratis Orontii em 1546 e a Protomathesis em 1532, é óbvio que os treze anos foram contados desde a data da impressão deste livro até ao ano em que escrevia, ou seja o ano anterior ao da saída a público do De erratis Orontii, 1545. A Protomathesis foi expressamente tida em consideração nos capítulos XII e XIII do De erratis.

O outro escrito, que feriu a atenção de Pedro Nunes, ou mais propriamente a sua consciência lógica e científica, tem o seguinte título: Orontii Fintei Delphinatis regii Mathematicarum Lutetiffl professoris. Quadratura circuli tandem inuenta et clarissime demonstrata. —De Multangularum omnium et regularium figurarum descriptione, liber hactenus desideratus. —De Iuvenienda longitudinis locorum differentia, aliter quam per lunares eclipses, etiam dato quovis tem pore liber admodum singularis —Planisphwrium geographicum, quo tum longitudinis atque latitudinis differentix, tum directx locorum deprehenduntur elongationis. Lutetiw Parisiorum apud Simonem Colinaeum, 1544.

Foram estes dois livros, vindos a público com o intervalo de doze anos, que deram origem e forneceram o assunto do De erra tis Orontii. A Protomathesis logo convencera Pedro Nunes da falta de escrúpulo e dos desacertos do matemático francês, e tanto, que pensara em se lhe dirigir epistolarmente. Calou, porém, pública e particularmente, as razões da sua discordância, por ter considerado que incumbia propriamente aos matemáticos franceses advertirem e pôrem travas a tão leviano fantasista.

Decorridos treze anos sobre a primeira edição da Protomathesis, a imaginação exaltada e o fogoso amor-próprio de Oronce Finé davam novas e mais jactanciosas manifestações. Neste lapso de tempo ninguém aparecera a refutar as asserções de Orôncio, o desserviço que este prestara ao conhecimento das matemáticas alastrava com a sucessiva reedição dos seus livros e, o que era mais condenável, ele não só reincidia na teima dos mesmos erros, senão que os agravava e aumentava com novas e desatinadas invenções, como a de ter achado a solução de velhos problemas que, apesar de muito excogitados, como a quadratura do círculo e a determinação da longitude, ainda não tinham encontrado quem os resolvesse satisfatoriamente.

A repulsa que Pedro Nunes sentira quando lera a Protomathesis volveu-se então em indignação, tão incitante e decidida que dois anos depois da saída do In quadratura circuli tandem inuenta et clarissime demonst rata... (1544) deu a público o De erratis Orontii

Dos dizeres de Pedro Nunes resulta, pois, que o De erratis Orontii teve uma origem estritamente intelectual, brotando da repulsa da exatidão contra a falsidade, do método contra a precipitação e do exame crítico contra a jactância insensata. Não teria, porém, Pedro Nunes obedecido também, de algum modo, ao impulso pessoal do amor-próprio?

A pergunta ocorre como que naturalmente quando se atenta no facto de o De erratis ser a primeira obra que o seu autor deu ao prelo depois da nomeação, em 16 de Outubro de 1544, para lente da cadeira de matemática na Universidade de Coimbra. Dois anos antes, em 1542, dera a público o De crepusculis, que abonava plenamente a sua capacidade e originalidade de matemático e de astrónomo; agora, dois anos depois, provava amplamente com o De erratis Orontii que a sua competência de mestre universitário, que talvez alguns zoilos mordessem, eram maior e mais bem fundada que a do lecteur royal de Paris, cujos livros corriam mundo em sucessivas edições. O paralelo não é prova, mas é, pelo menos, indício de que o culto da verdade, que brilha no De erratis, teve também o calor da legítima satisfação do amor-próprio.

Conhecida a razão da existência do De erratis Orontii, cumpre agora indagar o que é possível admitir acerca da cronologia da sua redação.


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