I. As Universidades. Significado e modalidade das origens

A Universidade é criação original da Idade Média; o mundo antigo não conheceu instituição análoga.

A palavra procede do termo Universitas, com o sentido de seres ou coisas que constituem um todo. Daqui o significado primitivo da palavra «Universidade» no século XIII, que era o de conjunto de mestres e de estudantes congregados na mesma escola e ligados pelos mesmos interesses culturais — «Universitas magistrorum et scholarium». Mestres e estudantes formavam, assim, uma corporação, que era considerada pessoa singular, como se nota em vários documentos, designadamente na bula de 9 de Agosto de 1290 que o papa Nicolau IV dirigiu à entidade dos mestres e escolares de Lisboa, que D. Dinis havia pouco estabelecera: «Dilectis filiis Universitati Magistrorum et Scolarium Ulixbonensi». Neste sentido de entidade que congrega num só todo mestres e estudantes, a Universidade é uma corporação que usufrui certas regalias e foros concedidos pelas autoridades civis e religiosas e agrupa todos os que ensinam e aprendem, ou, antes e principalmente, a frequentam para obter um grau ou título universitário.

A par do termo «Universidade», com o sentido que acabamos de indicar, teve curso na baixa Idade Média o de Studium generale, para designar uma organização que funcionava em dado local e no qual se ensinavam as ciências aprovadas pela competente autoridade civil e eclesiástica a quem estivesse nas condições de a frequentar, qualquer que fosse o seu país de nascença e a sua condição social. Neste sentido, a Universidade é uma organização docente com um quadro de estudos estabelecido e aprovado superiormente e com um sistema de provas e de exames em ordem à obtenção dos graus e títulos universitários. Estas duas noções, primordiais e fundamentais, de Universitas e de Studium generale, mostram que a conceção originária da Universidade foi a de uma corporação constituída para o ensino das disciplinas aprovadas pela Igreja, sem se discriminar o ensino secundário do superior e sem a pretensão de representar a totalidade das ciências, o que, aliás, só muito mais tarde se operou.

As universidades mais antigas foram instituídas no decurso da baixa Idade Média, designadamente: no século XIII, as de Paris, Bolonha, Orleans, Toulouse, Montpellier, Pádua, Nápoles, Oxford, Cambridge, Salamanca, Lisboa (Coimbra); no século XIV, Avinhão, Grenoble, Pisa, Florença, Praga, Viena, Heidelberg, Erfurt, Colónia, Genebra, Cracóvia; no século XV, Poitiers, Caen, Bordéus, Basileia, Leipzig, Lovaina, Upsala, Saragoça. A fundação, ou mais propriamente, a instituição, apresenta-se com modalidades diversas, em conexão, mais ou menos, com as situações nacionais e as circunstâncias locais. Assim, segundo Denifle, atendendo à origem, já no século XIII se distinguiam as Universidades ex consuetudine das ex privilegio — aquelas, de organização espontânea, sem diploma de fundação, como as de Paris, Bolonha e Oxford; estas, com diploma de fundação, emanado do poder papal, como Toulouse, Montpellier, Cambridge, etc., do poder real, como Nápoles, Salamanca (1254), Lisboa-Coimbra (1290), e da colaboração dos dois poderes, como Florença, Pavia, Praga e Viena. Além desta classificação, as Universidades deste período podem ainda distinguir-se em consideração do seu governo interno, conforme nele predominavam os mestres ou os escolares. Assim, segundo Rashdall, as Universidades que serviram como que de modelo foram a de Paris, para as Universidades de tipo magistral, e a de Bolonha, para as de tipo estudantil ou escolar. Este critério não é muito rigoroso, dado algumas Universidades, como a de Lisboa-Coimbra, terem sucessivamente adotado os dois tipos de administração, além de apresentarem outras particularidades mais ou menos privativas.

Mais relevante do que a classificação é a génese da instituição universitária, que, como é óbvio, tem de ser estudada nas universidades ex consuetudine, na sequência de acontecimentos locais, particularmente os que ocorreram em Paris e cujo resultado foi o reconhecimento da corporação dos mestres e estudantes como entidade escolar.

A génese da instituição universitária coincide, sociologicamente, com o incremento das atividades económicas e sociais das cidades e com a expansão da organização corporativa de ofícios e mesteres, e radica, historicamente, no desenvolvimento da cultura e correlativo alargamento das atividades docentes, na necessidade da preparação para o exercício das funções dirigentes da Igreja e do Estado e na política pontifícia de unidade religiosa e cultural da respublica christiana.

No decurso da segunda metade do século XII, as cidades, de modo geral, tornam-se centros de atividade económica, de especialização do trabalho, e de defesa militar, locais de moradia de nobres e de mercadores, sedes de catedrais e de escolas, numa palavra, focos de atividade e de vida intelectual.

As escolas que funcionavam na dependência das catedrais e dos cabidos adquirem maior desenvolvimento, atualidade e influência, do que as monásticas, situadas normalmente em regiões pouco povoadas, quando não ermas.

Nas mais afamadas, inicia-se a especialização docente, designadamente em relação à Teologia e ao Direito, civil e canónico, o quadro dos mestres alarga-se, tornando-se necessária a instituição da licentia docendi, a frequência escolar aumenta, aparecendo mestres desejosos de ministrar um ensino atualizado e estudantes com exigências de saber, graças às quais se fazem, por vezes, os bons professores, e todos ambicionando, mestres e alunos, a regalia de foros que lhes reconhecessem a liberdade profissional e os isentassem dos excessos e arbítrios de autoridades religiosas e civis.

A constituição do currículo normal dos estudos das artes, nas escolas mais afamadas e progressivas, tornara improfícuo o regime tradicional de mestre único, trazendo consigo a necessidade da coordenação das atividades discentes, tanto mais que as matérias de ensino entraram em crise de desenvolvimento com os novos conhecimentos que proporcionavam as traduções para latim de obras gregas que os Árabes haviam vertido para a sua língua. Estes conhecimentos, por um lado, determinaram o desenvolvimento do estudo da Lógica e das disciplinas do quadrívio e suscitaram o exame de problemas filosóficos até então despercebidos e descurados, e, por outro, provocaram a interdição do ensino em Paris dos livros aristotélicos de filosofia natural e dos respetivos comentadores, pelas conceções panteístas e imanentistas que delas se concluíram ou podiam fundamentar.

Aos factores gerais, mais ou menos comuns às Universidades ex consuetudine, cumpre ter em conta as circunstâncias e acontecimentos das localidades onde elas surgiram, especialmente as de Paris e de Bolonha, por serem as mais antigas, as de maior influência e as mais características no que toca ao regime interno.

A Universidade de Paris, foi a mais representativa das Universidades nos séculos XIII e XIV, iniciando-se o declínio da sua preponderância após o cisma de Avinhão, cujo pontificado reconheceu, não só pela influência dos pontífices de Roma como pelo crescente abandono dos temas dialéticos, que lhe haviam dado celebridade, em proveito dos estudos científicos e profissionais, cultivados designadamente em Oxford, Bolonha e Pádua. A sua constituição não foi precedida de diploma de fundação; nasceu ex consuetudine, em consequência dos factores gerais acima referidos e de alguns outros que lhe são próprios, à cabeça dos quais cumpre referir o ardor das controvérsias filosófico-teológicas, das quais Abelardo é representante característico, e a tenacidade na reivindicação de direitos e interesses profissionais, a qual deu azo a vários conflitos e congregou mestres e escolares na luta com as autoridades, civil e diocesana.


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