III. Método de ensino nas Universidades medievais (método escolástico)

O ensino medieval foi essencialmente livresco, para empregar o termo afortunadamente posto a correr por Montaigne, pois assentava em textos como que oficialmente estabelecidos ou aprovados. Considerava-se que o saber se achava condensado ou exposto em certos livros reconhecidos como fundamentais, cumprindo ao mestre expor, explicar e explicitar o que neles se continha. Consequentemente, o ensino adquiriu metodologia própria, diferente, senão oposta, da metodologia socrática, dado não encaminhar o espírito para a indagação precisa e consistente dos factos e da respetiva explicação, mas para a assimilação e sistematização coerente de um saber já constituído.        

Esta metodologia trouxe consigo a sucessão de frequentes provas de exame e revestiu dois processos fundamentais, que mutuamente se implicavam — a lectio e a disputatio —, cuja estrutura está em íntima correlação com a «Escolástica», entendendo por esta expressão a cultura filosófico--teológica e o sentido da atividade docente das escolas medievais, da época de Carlos Magno ao Renascimento. Nas Faculdades de Teologia, designadamente em Paris, além da leitura e da discussão, os mestres deviam ainda ensinar os preceitos da composição dos sermões (ars praedicandi), pelo que lhes cumpria o exercício de três funções: legere, disputare et praedicare, e nas de Direito, a prática da exposição de temas (proposita) e a recitação de discursos (harengae).

No geral das faculdades, os cursos públicos continuavam-se, por vezes, com lições privadas, já pela remuneração que o mestre recebia, já pela ambição dos seus alunos brilharem nas disputationes e nos exames. As lições do curso público distinguiam-se segundo as horas canónicas, pela hora a que eram ditas (ante-meridianas, designadamente de prima, e pós-meridianas, de noa e véspera), e segundo as matérias, em ordinárias e extraordinárias. As lições ordinárias recaíam sobre as matérias principais da Faculdade, sendo a mais categorizada a dita pelo «lente de prima», que iniciava o dia escolar. As lições extraordinárias versavam pontos especiais e eram ditas depois do meio-dia. Os passos difíceis eram explicados, por vezes, em «repetições».

O mestre era «lente», no pleno sentido da palavra, pois, em regra, lia e ditava, sem prelecionar, não faltando censuras, e até proibições, contra a prática dos cursos ditados. O ensino oral, único praticado, impôs-se como exigência da situação cultural e da carestia dos manuscritos. Em geral, e principalmente nas Faculdades de Teologia e de Direito, a lectio iniciava-se com a leitura seguida (cursorie) do texto e terminava com a expositio propriamente dita. A leitura cursiva oferecia por vezes dificuldades, devido ao emprego de abreviaturas, as quais ainda se notam nos livros escolares dos primeiros tempos da imprensa.

A expositio começava pela construção gramatical (littera), passava ao sentido imediato (sensus) e terminava pelo sentido profundo ou conteúdo doutrinal (sententia), esquema que é de relacionar com a distinção, então vigente, da explicação histórica, alegórica e teológica da Sacra Página.

A atividade docente e discente era exclusivamente oral, sem provas escritas, e, em geral, não se reportava diretamente aos factos mas às opiniões de autores. Os textos adquiriram, por isso, importância fundamental, tanto mais que unanimemente se reconhecia que alguns condensavam o próprio saber acerca do objeto que versavam.

Consequentemente, o papel do mestre consistia em ler, explicar e comentar textos, que os estudantes tinham de reter pela memória e de mostrar, pela resolução de objeções e dificuldades, que haviam compreendido o que tinham aprendido. Daqui, as resumptiones, ou recapitulações pelos alunos da matéria dada durante um período, normalmente uma semana, e as disputationes. A função do ensino consistia, pois, em transmitir conhecimentos, de maneira coerente, sem expressa intenção de formar a mentalidade adequada à investigação científica, em correlação, aliás, com o sentido do ensino da Lógica, que se dirigia à virtuosidade dialética, apologética ou polémica, e não propriamente à exatidão e ao rigor científico.

Na Faculdade de Artes tiveram voga no ensino do latim, cujo objetivo era a utilização oral e escrita desta língua e não a formação do gosto literário, as Institutiones Grammaticae, de Prisciano, a Ars maior, de Donato, da qual se fez um resumo, a Ars ou Donatus minor, cujo Livro III era designado de Barba rismus, o Doctrinale, de Alexandre Vila Dei (Ville Dieu), em versos leoninos, muito comentado, glosado e cujo uso escolar atingiu os princípios do século XVI, e o Graecismus, de Évrard de Béthune. Foi pouco vulgar o recurso ao conhecimento direto dos clássicos latinos.

O Tractatus de Sphera, de Sacrobosco (John Hollywood,# t# 1256) tornou-se como que o texto oficial do estudo da Astronomia; a sua fortuna escolar alcançou ainda a época da Renascença, tendo-o traduzido Pedro Nunes (1537), que o enriqueceu de notáveis anotações.

O ensino filosófico assentava no aristotelismo, lendo-se as próprias obras do Estagirita ou a de seus expositores, designadamente Boécio. A leitura dos libri logi cales, que iniciava o estudo da Filosofia, ocupava dois anos e a dos libri naturales, três. Dos finais do século XIII à Renascença, as Summulae logicales, do português Pedro Hispano, constituíram o manual do ensino da Lógica no comum das escolas.

Na Faculdade de Teologia de Paris, os cursos tinham início com a leitura textual (biblice ou textualiter) da Sacra Página, isto é, a Sagrada Escritura, na tradução da Vulgata, de São Jerónimo, passavam depois ao Livro das Sentenças, de Pedro Lombardo e terminavam com o comentário de um determinado livro da Bíblia, principalmente sob o ponto de vista doutrinal. Os bacharéis que os frequentavam eram designados, respetivamente, de «bíblicos» ou             « cursores », e « sentenciários », e de «bacharéis formados», dado estarem aptos a cursar os derradeiros requisitos da licentia docendi.

Os textos fundamentais das leituras dos estudantes «legistas» procediam do Corpus Juris Civilis, isto é, das compilações mandadas fazer pelo imperador Justiniano (527-565), designadamente as Institutas e o Digesto (Digestum vetus, Infortiatum e Digestum novum); e os dos «canonistas», do Decreto, de Graciano, das Decretais e das Extra, mandadas remeter, em 1234, às Universidades pelo papa Gregório IX, e das Clementinas (1317).

Nas Faculdades de Medicina cumpre distinguir dois períodos: até meados do século XIII, dominaram os escritos médicos e farmacêuticos adotados na Escola de Salerno, no geral, de procedência árabe, salvo os Aforismos e o Dos prognósticos, de Hipócrates; dos meados do século XIII até à Renascença, por virtude do movimento de traduções do árabe para latim, os tratados de Avicena e de Galeno, além de diversos escritos neles baseados. O ensino médico tinha carácter racional, não se furtando à metodologia dominante, e, portanto, à técnica das leituras textuais, dos comentários e das disputationes. Nos fins do século XIV como que teve início o ensino prático da Farmacologia, com o estudo das plantas medicinais, e o da Anatomia, com a dissecação, havendo a Faculdade de Medicina de Montpellier obtido das autoridades, em 1376, um cadáver por ano, pro anatomia. Os estudos preparatórios do bacharelato duravam, em regra, dois ou três anos, e os do doutoramento, depois do bacharelato, cinco ou seis. Em Cambridge o estudante médico devia ter o grau de mestre de Artes e de praticar dois ou três anos antes do doutoramento.


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