Prefácio

Este livro é o primeiro duma série de estudos que queremos dedicar à História da Filosofia Portuguesa.

Apesar de contestada por uns, indiferente à maior parte, mas aproveitada por estranhos, pensámos sempre que o Génio Nacional, como unidade viva e livre, se deveria refletir na Filosofia.

Com efeito, se uma nacionalidade é em si um produto espiritual, para nós mais representativo do que a comunidade de interesses, sentimentos, tradições, língua, caracteres étnicos, autonomia do poder político, etc., com que ordinariamente é definida, se, por outro lado, a filosofia não é um estéril e vão exercício da inteligência, mas uma exigência imperiosa do espírito, o que impede teoricamente que um povo livre, na plenitude da sua autonomia, se afirme e reconheça, independentemente doutras manifestações, na Filosofia?

Apesar do valor universal dos problemas filosóficos, quem é que não distingue o claro utilitarismo inglês do obscuro metafisicismo alemão, e não opõe o senso prático dos romanos à subtil e fecunda especulação helénica?

Abstraindo, porém, desta possibilidade racional da nacionalidade em Filosofia, que nós incidentalmente aflorámos, os factos pouco a pouco nos formaram a convicção temos a esperança que um dia devenha ainda certeza científica — de que a História da Filosofia Portuguesa é tão real como a História da Filosofia inglesa, alemã, etc., quanto mais não seja pela continuidade dos problemas, embora mais modesta, constituindo, portanto, um vasto campo a explorar, se não a descobrir.

Nesse estudo quisemos colaborar e, também, por nossa parte, contribuir para saldar a dívida de ingratidão para com os nossos maiores, que gerações educadas no lugar comum nos legou, e que onerosamente sobre nós, os novos, recai.

Se foi este o nosso propósito, não temos, porém, ilusões sobre a sua execução. Desde a deficiência bibliográfica com que lutámos, e que, em grande parte, nos foi removida pela Excelentíssima Senhora D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos, Senhores Dr. A. J. Alves dos Santos e Dr. J. Mendes dos Remédios, a quem publicamente agradecemos, até à falta de tempo e insuficiência da nossa preparação, tudo concorreu para que não pudéssemos fazer um trabalho completo.

Este livro, pois, não é mais do que um ligeiro subsídio para o estudo da personalidade e da filosofia do humanista António de Gouveia; todavia o pouco que é representa um trabalho honesto — e é esse o único título que para nós reivindicamos.

Duas palavras sobre o método que seguimos.

Limitámos a nossa análise da «Pro Aristotele responsio adversus Petri Rami calumnias» à parte refutativa das críticas de Ramo, especialmente ao Organon. Por isso, para precisar o sentido aristotélico das questões que eram discutidas, dividimos a «Pro Aristotele responsio» de harmonia com o Organon, fazendo preceder cada uma dessas partes duma brevíssima síntese da respetiva doutrina de Aristóteles. No segundo volume apreciaremos então a atitude de Gouveia em face do antiaristotelismo de Ramo, esboçaremos a sua filosofia, integrando-a nas correntes espirituais da Renascença.


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Vamos corrigir esse problema