Capítulo II ? Análise da Pro Aristotele Responsio Adversus Petri Rami Calumnias

I. A Pro Aristotele Responsio adversus Petri Rami calumnias, pelo espírito que a ditou, pelas circunstâncias históricas que a provocaram, sendo uma profissão de fé filosófica, é também uma diatribe.     

A tolerância, a virtude intelectual por excelência, tal como a praticava Spinoza, nosso ainda pelo sangue, não a conhecia Gouveia. Vivia demasiadamente a sua época, partilhava, talvez em excesso, os preconceitos e o espírito dela, para manter a serenidade numa pura discussão de ideias; por isso, as expressões incisivas abundam, não havendo a bem dizer uma página que não termine por uma ironia, quando não por um insulto.   

Registamos unicamente o facto e explicamo-lo por um desvairamento de ocasião, — tanto mais que talvez fosse escrita no espaço breve de dois meses, porventura justificável pela rudeza dos ataques de Ramo e pelas circunstâncias históricas que a provocaram. É este um aspeto da questão que não nos interessa, porque, como disse Lopes Praça, «o ardor da discussão as provoca e a frieza da crítica as omite».           

O método que Gouveia seguiu foi o de expor, e pari-passu criticar, as afirmações fundamentais das Aristotelicae animadversiones. Em abono da verdade, deve dizer-se que Gouveia foi um intérprete fiel, um adversário leal, embora intolerante, recorrendo sempre, se não à expressão, pelo menos ao espírito da doutrina que expõe com probidade, antes de a criticar com subtileza — o que ele próprio confessa, ao dizer que percorrerá sucessivamente as várias afirmações das Aristotelicae  animadversiones, para que se não diga incompleta a sua réplica e o leitor mais claramente surpreenda a falta de discernimento de Ramo.

O seu fim, pois, é defender Aristóteles, a quem preza, admira e procura dever o possível. Obra de combate e de ocasião, não abundam, como já notámos, na Pro Aristotele Responsio, os pontos de vista gerais. Todavia, aqui e além, deparamos com afirmações de carácter filosófico que, integradas nos outros escritos de Gouveia e cotejadas com o aristotelismo e o retoricismo de Cícero, as duas grandes fontes da filosofia de Gouveia, nos permitem' definir e precisar o seu lugar na História Geral da Filosofia. Porém, neste capítulo, unicamente nos interessa a forma como combateu Ramo, rebatendo-lhe as afirmações. 


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