Capítulo VIII - A Contra-Reforma e a Educação. A companhia de Jesus e o Ensino Preparatório

A classe de Humanidades (Humanitas sive poêsis) tinha por finalidade a preparação para a eloquência, entendendo-se por esta expressão as artes oratória e poética; nela se aprofundava o conhecimento da língua latina e se ministravam alguns conhecimentos de erudição clássica, a propósito dos trechos lidos, e alguns preceitos de Retórica. Designava-se de praelectio a explicação de autores, pelo professor, a qual consistia fundamentalmente no esclarecimento gramatical do texto, em ordem à propriedade, valor e sentido das palavras; como texto, liam-se algumas orações de Cícero, e como assunto de tema propunham-se, no primeiro semestre, a redação de cartas à imitação de Cícero ou de Plínio, e no segundo, a composição livre de narrações, de exórdios e de versos.

A classe de Retórica tinha por principal objetivo a invenção, a disposição e o ornamento do estilo, para o que se ministravam conhecimentos de eruditio, ou polimatia, isto é, factos e notícias, por via mnemónica, de mitologia, de história sagrada e profana, de Geografia e de teor científico. Cícero era o autor mais estudado, os poetas ocupavam mais horas de estudo do que os historiadores, devido às dificuldades gramaticais, e consentia-se que os alunos lessem aos sábados e nas férias um historiador ou um poeta. Discursos e poesias constituíam os temas de composição.

O objetivo dos studia inferiora era a aprendizagem correta do latim, considerado como língua viva. Coerentemente com esta determinação, comum e característica da educação colegial ou ginasial do século XVI, o mestre não devia recorrer à língua materna, salvo nas versões, os alunos eram obrigados ao uso da língua latina, mesmo nos recreios, e a composição na língua do Lácio tinha mais importância do que a tradução na língua materna. Para facilitar a adaptação do uso do latim como língua viva, a Gramática era estudada num manual redigido nesta língua, tendo sido universalmente adotada nos colégios da Companhia até 1832 a gramática latina (De institutione Grammatica libri tres) que o Padre Manuel Álvares (1- 1583) redigiu a instância de São Francisco de Borja e saiu a público primeiramente em Lisboa, em 1572.

Ao contrário do comum dos humanistas que, em regra, adotavam o texto completo de uma obra, o Ratio, tendo em consideração não somente o conhecimento da língua latina mas também a educação religiosa e a formação moral, recomenda expressamente a expurgação dos passos que afetem a honestidade e os bons costumes. Daqui, o uso de seletas.

Os estudos superiores compreendiam a Filosofia e a Teologia, desenvolvendo-se o estudo desta última, que era reservado aos futuros membros da Companhia, durante quatro anos.

O ensino da Filosofia tinha por base Aristóteles, em ordem ao conhecimento do seu pensamento e à remoção das filosofias naturalistas da Renascença. O ensino seguia, esquematicamente, esta ordem: Lógica e rudimentos de Metafísica e de Matemática; Física e Ética; Metafísica e Psicologia. Estas matérias reportavam-se aos respetivos escritos aristotélicos, salvo a Matemática que era estudada pelos Elementos de Euclides. Gozaram de larga divulgação as Institutiones dialecticarum, de Pedro da Fonseca (†1597), e as edições e comentários à obra do Estagirita publicadas por mestres do Colégio das Artes, de Coimbra.

Escreveu Francisco Suarez (1548-1617), teólogo e filósofo jesuíta, no De religione Societatis Iesu, que «o que mais importa para formar proveitosamente os alunos é a ordem e o método, assim na progressão dos estudos como na organização das disputas e dos exercícios escolares». Este juízo condensa as características da didática e da metodologia do Ratio studiorum.

Com efeito, a organização do ensino em função da unidade ressalta como nota fundamental, já nos programas, que são os mesmos para todos os colégios da Companhia, já no método, que é uniforme, já no regime de classes e de um só professor para cada classe, o que por um lado, tendia para a homogeneidade da classe, isto é, para um nível comum, e por outro permitia acompanhar o desenvolvimento dos alunos e estabelecer, pela concentração do ensino no programa e no professor, a unidade de direção e o conhecimento da individualização do aproveitamento. A função do professor é, assim, fundamental; por isso, o Ratio determinou que ele acompanhasse os alunos na sua passagem à classe imediata e estabeleceu normas relativas à preparação e seleção do professorado, bem como à própria atividade docente. Assim, a correção das provas escritas devia, normalmente, ser feita pelo mestre em voz baixa, na presença do próprio aluno, em diálogo com este, recomendando o Ratio que os passos dignos de nota, pela correção ou pela incorreção, fossem apontados em voz alta, a toda a classe, no fim ou no princípio da aula e que os que o próprio aluno pudesse corrigir lhe fossem entregues para este efeito.

Este apelo constante à atividade do aluno, ao cumprimento das suas obrigações e ao sentimento da sua responsabilidade, associa a ilustração intelectual à educação da vontade e nutre a conceção da emulação como processo de estímulo intelectual e de incentivo ao trabalho escolar. Para suscitar e tornar viva a emulação, o Ratio determina que as classes se dividam em dois campos opostos — romanos e cartagineses —, tendo cada um o seu imperator e que cada um dos campos se subdivida em decúrias, isto é, em grupos de dez alunos, tendo à frente o decurião, escolhido entre os melhores da classe. As primeiras decúrias deviam ser constituídas pelos alunos de melhor aproveitamento. Esta organização interna das classes tinha por fim determinar para cada aluno de uma decúria o seu émulo, na decúria correspondente do campo adverso. Consequentemente, as chamadas às lições, a correção das provas e as concertationes, isto é, debates entre classes, adquiriam o carácter de competições, por se fazerem entre émulos interessados em apontar erros. O vencedor valorizava-se, assim, aos próprios olhos e aos da classe, conquistando elogios e prémios, que revestiam formas diversas, e, despertando a emulação, se tornavam incentivo ao estudo. As competições eram, a bem dizer, diárias, mas as mais animadas tinham lugar nas «sabatinas», isto é, aos sábados, e nas repetições mensais, as quais se faziam, em geral, com alguma solenidade e tinham por objeto a repetição de um texto ou de um trecho importante do texto estudado. Coerentemente com a estrutura deste processo de estímulo e no seu desenvolvimento, procedia-se ao estabelecimento de quadros de honra e, no seu oposto, à condenação à gemónia, isto é, ao banco da vergonha, à organização de um sistema de recompensas, designadamente cruzes, insígnias, medalhas e proclamações, e à distribuição solene de prémios.

A emulação como método pedagógico assenta na eficiência educativa do amor-próprio e na noção de que a educação é consequência de excitações de índole espiritual; aplicada, porém, com extremos, encoraja a vaidade e suscita a rivalidade e o ressentimento entre os alunos.

Do exposto se segue que a disciplina era suave, obtida mais por ação moral e pelo louvor do que por processos violentos, procurando-se a adequação do castigo à falta cometida, e atenuando-se a punição, desde os exercícios suplementares à repreensão pública e à expulsão, em função do comportamento. O Ratio não excluiu, contudo, a severidade e os castigos corporais, mas vedou-os aos mestres, consentindo-os somente a um leigo, o corretor, que os devia aplicar na presença de dois padres ou de quatro ou cinco alunos. Esta disposição é de per si expressiva do valor conferido à influência educativa da personalidade do mestre e do cuidado havido em evitar que o aluno crie sentimentos de aversão por quem o ensina.


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