Fr. Heitor Pinto e Fr. Luís de León. Nota biográfica sugerida pelo livro de Aubrey F. G. Bell, Luis de León. A study of the spanish Renaissance. Oxford, 1925.

Com este voto começavam a descobrir-se as primeiras lutas entre partidários da Vulgata e do texto hebreu, que em breve degeneraram nessas cóleras teológicas, de compassiva ironia, se não fossem, por vezes, de trágica memória; mas surpreende que o tradutor do Cantar de los Cantares o aprovasse numa estranha incoerência, porque consciente ou inconscientemente Gaspar Torres condenava o método hebraizante e a frescura de inspiração bíblica pela filologia, que H. Pinto moderadamente praticava. (Sequor communen? versionem ah Ecclesia approbatam, et in fine uniuscuiusque capitis adiicio ex Hebrceo nonnullas annotationes, diz na dedicatória do In Isaiam Comment, ao Cardeal-Infante D. Henrique).

Dir-se-ia morta a pretensão dos estudantes; mas inesperadamente é lido no claustro pleno de 13 de Julho uma provisão régia, na qual se ordenava «se diese a Fray Hector Pinto la cátedra de teologia, que habia obtenido por votos de estudiantes, con la condición de que diese muestras en lo escolástico como lo habia dado en escritura y cual se habia oferecido á dar».

A Universidade teve então uma atitude de independência e discutindo-se se devia ou não cumprir a vontade real a maioria vota pela desobediência, destacando-se Fr. Luís de León. Corajosamente, como lhe impunha o seu temperamento de lutador, que por o ser pode exclamar com horaciana moderação,

Que descansada vida

 La dei que huye el mundanal ruido

Y sigue la escondida

Senda por donde han ido

Los pocos sábios que eu el mundo han sido!

dita por escrito o seguinte voto:

«El maestro fr luys de leon dió su boto e parezer scripto e firmado de su nombre, el qual es el siguiente. Acerca de la provision de su magestad, que se a presentado en este claustro que se cuentan trece de Julio, en que su magestad manda que se le diese informacion de lo que en esta Universidad a pasado acerca dei negocio dei padre Hetor Pinto, mi parecer es que obedeciendo á lo que su magestad manda y en execocion dello, Andrés de Guadalajara, secretario deste claustro, de testimonio de todo lo que a pasado en manera que haja fee en el anterior claustro de deputados primero que se fizo acerca deste negocio, y ni mas ni menos de todo lo que pasó en el claustro pleno que despues se hizo sobre lo mismo, en el qual testimonio vayan los pareceres que acerca desto dieron por escripto los seriores maestro Sancho e maestro fray gaspar de torres, asi como los dieron, á los quales nos allegamos los theologos que estabamos presentes e muchos otros destos Seriores doctores, porque destos testimonios constará entera e verdaderamente todo aquello de que su magestad manda se le envie informacion, é pido y supplico ai Serior rector no mande ni consienta que se aga alguna otra particular informacion de estudiantes y personas particulares, porque es manifiesto y notorio que ese padre y los que tratan deste su negocio an andado con gran diligencia agora e antes de agora, hablando e negociando por diferentes maneras con las personas deste claustro, para que den este partido ai dicho padre y no le contradigan, ofreciendo para ello promesas é haciendo amenazas. Y es tambien publico y notorio que para ias firmas de estudiantes que una vez se traxeron á este claustro y otras se embiaron a su magestad y a los seriores de su muy alto consejo, andubieron un mendigo y otros dos ó tres estudiantes de la nacion dei dicho padre importunando a los estudiantes theologos y a otros de otras facultades que firmasen un pliego de papel blanco que les mostraban, sin saber que firmaban ni lo que despues se abia de escribir, é tambien es publico y notorio que ia mayor parte de los estudiantes que firmaron esta postrera vez no oyen ai dicho padre ni le quieren oir, y que solamente firmaron por ia importunacion y ruego de otros e por que dicen publicamente que a ellos no les va nada en que haya muchos partidos é muchos lectores quales quier que ellos sean, antes les biene bien por que podran escoger á su voluntad; y siendo esto como es asi, es cosa ciertisima, que si se hiciese informacion de estudiantes particulares, ias mismas personas que con tanta instancia y por tantos medios no usados ni debidos, an tratado y tratan deste negocio, acabarian con estudiantes theologos ó de diferentes facultades que dixesen lo que a ellos les paresciese, de donde seguirian que su magestad seria mal y falsamente informado con dario publico desta UniversidaD.s Demas desto pido y suplico ai Serior rector mande andres de guadalajara, secretario deste claustro, que cotege y confiera Ias firmas de estudiantes que están en la peticion que vieron en este claustro sobre este negocio con la matricula, y que en el testimonio que diera de la dicha peticion para llevar a su magestad seriale ia facultad que oye cada uno de los que alli firman, por que ia mayor parte dellos y de los que agora oyen ai dicho padre, como se ve manifiestamente, son estudiantes y canonistas y artistas y gramaticos, y los menos theologos, y es justo que conste esto á su magestad y á los setiores de su consejo.

Demas desto soy de boto que con los dichos testimonios informacion senvie una persona deste claustro á sua magestad, que sea theologo, para que informe a su magestad é a los Setiores de su muy alto consejo, y les suplique no sean servidos de alterar ni mudar lo questa universidad acerca deste negocio determinó en sus claustros, ni den entrada a que con el... perjuicio que an tenido de los estudiantes que se mueven ligera y facilmente, se atrevan muchas personas e pretender lo mismo que este padre pretende, que seria en gran dafio de la Universidad, por las razones que ya e dicho de palabra, y ai dicho andres de guadalajara, pido e requieró que no de testimonio deste claustro sin que vaya en el este mi parecer e boto que doy por escripto, e a mi me de un traslado dei en manera que aga fee para presentalle ante quien constar deba». (Tejada, Vida de Fr. L. de León, p. 26n).

Com este voto, que traduzia a opinião geral do claustro, ficou absolutamente prejudicado o pedido dos estudantes. Entretanto aproxima-se o fim do quadriénio de Grajal, impondo-se novo concurso para a substituição da Cadeira de Bíblia. Heitor Pinto, decerto sentindo que a integridade do seu nome sofreria com ter aceite a proposta dum partido furtando-se às provas dum concurso, apesar da evidente animadversão da Universidade, opõe-se com Grajal à substituição do segundo quadriénio. Faltam-nos documentos impressos que ilustrem as fases destas oposições; mas pelo processo de Fr. L. de León prova-se com toda a evidência que o autor de Los nombres de Christo patrocinou Grajal, combatendo ostensivamente H. Pinto e os jerónimos do Convento de la Victoria. É L. de León quem o confessa, não faltando a confirmação de autorizadas testemunhas: «Item si saben que el dicho Hector Pinto se opuso a la substitucion de Biblia que vacó por el cuadriènio, con el maestro Grajal, y fay Luis de León negoció públicamente contra Hector Pinto, y la perdió, y se fué afrentado de Salamanca», o que (por exemplo) a testemunha fray Juan de Guevara corrobora: «sabe que hizo el dicho fray Luis pública-mente cuanto pudo contra Hector Pinto, fraile gerónimo, en la sostitucion de Biblia, por el maestro Grajal; y los dichos frailes gerónimos se quejaron dél en el monasterio de Sant Augustin». (Col. de docs. cit., XI, 263 e 277). Fr. Heitor Pinto saiu, sem dúvida vexado, de Salamanca; mas nem por isso, deixa de afirmar a sua tenacidade, e como resposta aos detratores salmantinos, que o não reputavam suficiente escolástico, vai para Siguenza, em cuja Universidade pouco depois (4 de Outubro de 1568), alcança o grau de doutor. (Vide Brito e Silva, H. Pinto, estudante e prof. da Univ. de Coimbra (1925), p. 12). Era uma satisfação moral; mas a verdadeira reparação só Portugal lha deu, criando na Universidade de Coimbra uma catedrilha nova de Escritura e cometendo-lhe, por distinção, como hoje se diria, a respetiva regência (Maio de 1576). Por pouco tempo exerceu o magistério, durante o qual leu o profeta Zacarias e os Salmos, porque, patriota ardente e fidelíssimo partidário do Prior do Crato, Filipe II desterra-o logo em 1580 para Castela. E se a frase que se lhe atribui neste momento trágico — El rei Filipe bem me poderá meter em Castela, mas Castela em mim é impossível (B. Machado) — não é exata, ela exprime tanto ou mais intensamente que o lendário Deciamos ayer a vivacidade e constância de sentimentos. Reproduzindo-a o Sr. Bell parece notar uma contradição entre o espírito que a proferiu e a ambição de ocupar uma cátedra em Salamanca; mas basta ler a dedicatória a D.S Sebastião dos Comentários a Ezequiel, impressos precisamente em Salamanca e em 1568, toda ela um louvor exaltado de Portugal, para sentir que a ambição do professor não sufocou os sentimentos do patriota: Viue tu felix, [rex], viue, ut patria vivat. Um ponto resta ainda esclarecer: a atitude de Fr. Luís de León, de nervosa animadversão. Como Luís de León, Heitor Pinto tem o ardor da cultura livre e a mesma energia de resistência ao ambiente intelectual. Ambos habitaram no mesmo edifício escolástico, e a atitude mística é num e noutro, por assim dizer, correta, raisonnable. O mesmo método de interpretação das Escrituras, o mesmo culto pelo hebreu, a mesma ansiedade em surpreender a frescura da Bíblia, o mesmo horror ao comentário enfático os aproxima, e de tal forma que não pode explicar-se a combatividade de L. de León por motivos de indignação intelectual e muito menos ainda por divergências teológicas. O Sr. Bell parece explicá-la pela amizade por Grajal; mas Alonso Getino (ob. cit., 147), como o próprio H. Pinto, filia-a na ambição de Fr. Luís de León assegurar para si próprio a cátedra de Sagrada Escritura, que alcançou, afinal, em 1579. Ambas as hipóteses são legítimas em face dos documentos; mas não seria arriscado sugerir também, que, além dum motivo pessoal, de amizade ou de egoísta ambição, se deve pensar em que Fr. Heitor Pinto não tinha naquela ocasião os graus académicos?


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