V. Literatura romana de significação histórico-pedagógica

É escassa e de fraco conteúdo doutrinal a literatura pedagógica romana, cujo génio, essencialmente prático e utilitário, se mostrou incomparavelmente mais criador na esfera do Direito e da Política do que na da especulação teórica.

Os primeiros escritos de intenção e significado pedagógico surgiram nos meados do século II a.C., quando a influência do helenismo se fez sentir ostensivamente na estruturação das instituições docentes e no teor e prática do ensino. Como era natural em povo de tão vincado e arreigado carácter, o novo rumo da educação, que não estava na diretriz educativa tradicional, suscitou atitudes diversas, desde o repúdio à assimilação, sem, aliás, chegar a incorporar e a efetivar o sentido espiritual da paideia.

Como escreveu Willmann, «os romanos aceitaram dos gregos a expressa diferenciação entre adquisição formativa e preparação profissional, sendo as expressões Artes ingenuae, libe rales, Studia ingenua, liberalia, simples tradução das correspondentes designações gregas; somente a expressão bonae artes, as quais compreendem os estudos e os exercícios do vir bonus, o patriota ou homem honrado, contêm algo de especificamente romano».

Foi este ideal do vir bonus que nutriu e caracteriza o pensamento educativo romano, e se acusa na obra de Catão-o-Velho, Varrão, Cícero, Séneca e Quintiliano, os quais, sem embargo de não terem escrito obras pedagógicas no sentido próprio do termo, são geralmente consideradas as figuras mais representativas das atitudes de significado histórico-pedagógico.

Pórcio Catão Maior (234-149 a.C.), dito Catão-o-Velho para o distinguir do homónimo Catão de titica, foi uma personalidade política de relevo, a cuja mente e decisão não foram indiferentes os problemas do seu tempo. Detestava a cultura grega, por a considerar corruptora do carácter romano, mas entendia que devia ser conhecida para mais eficazmente se reagir contra ela. Daí a atitude, que, politicamente, o levou a pedir a expulsão de Roma, em 155 a.C., da embaixada dos filósofos gregos, pelo entusiasmo que despertaram na juventude, e, literariamente, a redigir alguns escritos de intenção educativa e instrutiva.

Tais foram o Carmen de moribus, o Ad Marcum filium, vade mecum, ou Praecepta ad filium, constituído por máximas concisas, de que se dá como exemplo, «Rem tene, verba sequentur» (Tem presente as coisas, as palavras virão depois), e o De agri cultura, ou De re rustica. Só este último chegou até nós; é uma espécie de manual prático, no qual um homem experiente instrui um principiante com noções úteis à agricultura e, de modo geral, à administração do património da família.

A aprendizagem da vida prática, que tradicionalmente se fazia mediante o exercício e o tirocínio, aparece agora instruída com conhecimentos informativos. Esta tendência acentuou-se, ao que parece, com o Ad Marcum, filium, vade-mecum. O pouco que se sabe deste escrito levou a admitir que é a primeira obra de autor romano acerca da oratória, e que nela se exprimia a reação contra o verbalismo e a sofística, dado Catão considerar que o essencial de uma oração é o sentido moral e não a elegância da expressão. A famosa definição do «orador» — «vir bonus dicendi peritus» —, de tanta fortuna histórica e de autoria incerta, tem sido atribuída a Catão.

Na sua atitude, nota-se, assim, em condições impossíveis de precisar, o choque de duas tendências diferentes: o repúdio da helenização, e a adaptação parcial do plano instrutivo da paideia. Na marcha da educação romana, foi a tendência assimiladora que prevaleceu e, por fim, se impôs, com feição mais ou menos eclética, do que, aliás, Catão deu mostra, pois no final da vida, aos oitenta anos, dedicou-se com afinco ao estudo do grego.

Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C.), erudito e polígrafo notável, interessa à história da educação romana principalmente pelos seus estudos de gramática e pela revisão das disciplinas informativas nos Disciplinarum libri novem. No seu plano, em consideração, certamente, da estimativa do seu tempo, acrescentou a Medicina e a Arquitetura, que mais tarde foram excluídas, pelo carácter prático, da enciclopédia das artes liberais (Gramática, Retórica, Dialética, Aritmética, Geometria, Astronomia e Música).

Marco Túlio Cícero (106 - t 43 a.C., assassinado), de múltiplos dotes e de diversificada atividade, representa, notavelmente, a cultura do seu tempo. De alma profunda e ardidamente romana, a sua mente nutriu-se abundantemente da filosofia grega, em condições que a privam de originalidade, embora lhe confiram importância histórico-filosófica, principalmente pelo contributo para a terminologia filosófica latina e mediante esta, para a das línguas românicas.

Na sua obra — orações, epístolas, escritos filosóficos e de retórica — não abundam as páginas de construtura estritamente pedagógica, mas o seu pensamento tem lugar próprio na História da Educação, já por si mesmo, pela conceção do orador-homem público como expressão máxima da individualidade, já pela influência que exerceu no decurso do tempo.

O Orator, no qual desenha a figura do perfeito orador, o Brutus, no qual historia a eloquência romana, e, especialmente, o De oratore, que é uma conversação acerca da arte oratória e dos respetivos requisitos, são os escritos que importa notar.

Cícero foi um extraordinário artista da palavra, assim falada como escrita, mas a sua conceção do orador, onde há muito de pessoal pela reflexão sobre os próprios dotes, recursos e experiência, não é meramente  estética.

A seu juízo, para ser perfeito orador não é bastante a capacidade de expressão artística e elegante, porque se exige também a formação cultural, graças à qual a arte de dizer se não separa da de pensar, ou, por outras palavras, a Retórica da Filosofia. A eloquência, para ser perfeita, exige uma cultura variada, porque o perfeito orador não é um especialista mas um espírito cultivado, cuja palavra se torna eficiente pelo acerto e desembaraço com que fala das matérias de que se ocupa. Todas as disciplinas lhe devem informar a mente mas é o Direito a que melhor remata a formação e mais ativamente capacita para a eloquência.

A variedade de conhecimentos, porém, é somente condição, porque a formação ideal do orador exige que a sua mente se compenetre, culturalmente, da unidade da Filosofia e da Retórica e, moralmente, da Humanitas, pois, como Cícero pretendia, o orador deve ser perfeito em todo o género de discursos e em tudo o que afete à «humanidade».

Esta palavra, de tão grande fortuna histórica, não tem na pena de Cícero, como teve em Séneca, sentido filantrópico, pois lhe atribui significado formativo e cultural. Como notou Willmann (ob. cit.), a humanitas mantém relação com a doctrina, as litterae, as bonae artes e o sermo, mas não se confunde com estes elementos constitutivos do pensamento e da expressão verbal, porque tem por objeto próprio o que é privativo do ser humano e o torna digno enquanto tal, como a defesa da justiça, do bem público e de outros valores ético-sociais, designadamente a consciência da missão do Estado e do seu destino.


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