II. Organização das Universidades medievais

O quadro de estudos das Universidades medievais foi constituído pelas disciplinas tradicionais das Artes e pelas «faculdades» de Teologia, de Direito civil (romano), Decreto (Direito canónico) e Medicina, mas para a existência de uma Universidade não era necessário que nela se ensinassem todos estes saberes, pois o conceito de Universidade radicava na noção de unidade corporativa de mestres e de estudantes e não no da expressão e cultivo da totalidade das ciências. De início, verdadeiramente completa, somente o foi a de Paris, singularizando-se algumas das demais pelo cultivo especializado de uma «faculdade», como a de Bolonha pelo do Direito e a de Montpellier pelo da Medicina, ou de umas disciplinas, como a de Oxford, onde as matérias científicas do quadrívio tiveram mais cultores e maior desenvolvimento do que nas Universidades do Continente, que, em regra, continuaram a tradição do predomínio do cultivo das matérias do trívio.

Na estimativa dos saberes, a Teologia detinha o primado, assim na hierarquia dos conhecimentos como no valor formativo. Durante largo tempo, a Universidade de Paris foi a única universidade onde se professaram publicamente os estudos teológicos, a fim de impedir a manifestação e a divulgação de conceções heréticas, ensinando-se, no entanto, a Teologia nas aulas interiores das escolas monásticas, de frequência reservada. Assim, em Portugal, foi no século XV, na reitoria do Infante D. Henrique, que se introduziu o ensino da Teologia no quadro docente da Universidade portuguesa, então situada em Lisboa.

As disciplinas das artes liberais, que constituíram a Faculdade de Artes, serviam de introdução ao estudo das restantes Faculdades, correspondendo, de certo modo, à função predominante do atual ensino secundário.

Normalmente, esta Faculdade era frequentada durante sete anos, por escolares que, em regra, se matriculavam pelos doze anos de idade, e cujo objetivo predominante era a obtenção do grau de Mestre em Artes, depois de alcançado o de Bacharel.

A feição geral e propedêutica das disciplinas das Artes, consideradas como fundamento indispensável aos estudos das outras Faculdades, especialmente de Teologia, determinou que ela fosse a mais frequentada de todas. Assim, em Paris, em 1280, o seu quadro docente era constituído por cento e vinte mestres regentes, ao passo que o das outras Faculdades reunidas não ia além de trinta. Daqui, o problema da organização dos escolares para efeitos administrativos e representativos na vida da corporação universitária, tanto mais que as Universidades de maior fama eram verdadeiramente internacionais, pela conceção ético-religiosa da função da Ciência, pela diversidade do país de origem dos seus mestres e alunos, e, principalmente, pela validade universal dos graus que conferiam, a qual constitui a característica da instituição universitária medieval (jus ubique docendi).

Em Bolonha, foi a fama dos estudos jurídicos que atraiu os estudantes. Os naturais desta cidade (scholares eives) gozavam das vantagens que lhes proporcionavam a vida de família e os estatutos comunais; os não-bolonheses  (scholares forenses) procuraram na associação e no auxílio mútuo a defesa dos seus interesses, organizando-se em «nações», isto é, em corporações que tinham por laço associativo a região ou o país de nascença.

No decurso de alguns decénios constituíram-se várias «nações», chegando a contar-se duas para os italianos e treze (ou catorze) para os estrangeiros, as quais, adiantado o século XIII, vieram a agrupar-se em «cismontanos» e «ultramontanos», cuja reunião numa só corporação formava a universitas scholarium. Os mestres estavam excluídos das «nações», pelo que se agruparam autonomamente em «colégios de doutores» (collegia doctorum) segundo as respetivas Faculdades, e delas também não foram primitivamente membros os estudantes bolonheses e os de Artes e Medicina, preponderando, assim, os estudantes de Direito não naturais de Bolonha.

Na Universidade de Paris, os mestres e estudantes de Artes agrupavam-se em quatro «nações» — de França, de Inglaterra, da Normandia e da Picardia —, assim designadas pelo país ou região donde eram originários os indivíduos que nos primeiros tempos preponderaram dentro de cada «nação». A inscrição numa «nação» era precedida do juramento de que nunca seria abandonada.

Além dos objetivos de garantia e defesa pessoal, «as nações» tiveram principalmente em vista o estabelecimento do foro académico, privativo, da isenção de impostos e taxas municipais, da participação na organização da vida escolar, na fixação das rendas das habitações, no custo dos livros, etc., e, em Bolonha, especialmente, a participação activa na eleição dos professores e das autoridades universitárias. Tirante esta regalia, que deu feição estudantil à Universidade de Bolonha e às que a estabeleceram, as demais regalias, isenções e privilégios tornaram-se comuns às universidades medievais. Assim, no diploma de fundação da Universidade de Lisboa (1 de Março de 1290), D. Dinis logo prometeu plena segurança às pessoas e bens dos escolares e a concessão de privilégios, que mais tarde foram sendo especificados.

Na Universidade de Paris, à frente de cada «nação» estava um «procurador» eleito dentre os mestres da Faculdade; cumpria-lhe autenticar os documentos com o selo privativo da «nação», administrar os fundos e proceder em nome dos seus representados, cujos interesses lhe competia defender. A partir de 1242, os «procuradores das nações» passaram a designar, dentre os mestres de artes, um «reitor», o qual dirigia, durante o seu mandato, em regra de curta duração, os serviços e interesses de toda a Faculdade de Artes, a cujas reuniões presidia.

As Faculdades de Teologia, de Direito e de Medicina não tinham esta organização, em virtude da sua população escolar ser muito menor. À sua frente estava o «decano», com funções análogas às do «reitor» da Faculdade de Artes e cujo cargo inicialmente parece ter sido inerente ao mestre mais antigo.

Nos primeiros tempos, era o «reitor» da Faculdade de Artes quem presidia às reuniões plenárias dos mestres das quatro Faculdades, mas a partir de 1259, pelo menos, começa a fazer-se referência ao «reitor da Universidade» para se designar o cargo que se tornou por excelência representativo de toda a corporação universitária, e cujos poderes e atribuições se foram sucessivamente alargando e consolidando à custa das prerrogativas do «chanceler».

Em Paris, o «reitor» era eleito pelos mestres e doutores, conferindo-lhe a eleição a jurisdição civil e penal sobre todos os membros da Universitas magistrorum et scholarium; em Bolonha, era eleito somente pelos estudantes, assim como o «síndico» (syndacus), também designado de vicerector ou prorector, a quem cumpria representar a Universidade em juízo e substituir o reitor na sua falta ou impedimento.

Do funcionalismo, do qual faziam parte os livreiros, pergaminheiros, iluminadores, etc., todos gozando dos privilégios universitários, importa notar os «bedéis», a quem era de obrigação dar entrada e assistir às lições e disputas, cuidar da ordem e limpeza das salas de aula, guardar os livros dos estudantes nos intervalos das aulas, e vigiar a conduta dos mestres.

Com estar estreitamente vinculada às autoridades, eclesiástica e civil, a universidade medieval gozou de larga autonomia na organização administrativa e no funcionamento da vida das Faculdades, usufruindo os membros da corporação universitária privilégios e isenções, designadamente o foro privativo e a dispensa do serviço de armas, de taxas e de impostos.


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