Apresentação

1. Este VII. Volume da Obra Completa de Joaquim de Carvalho, de acordo com o plano estabelecido, estava destinado a ser o último. À medida, porém, que estudávamos a ordenação dos escritos que deveriam, devidamente conexados, estruturá-lo, apercebemo-nos de que, nos Aditamentos e Notas às «Noticias Chronologicas da Universidade de Coimbra», compostas por Francisco Leitão Ferreira — que de início havíamos posto de lado pela dificuldade de separar, de todos os materiais documentais largamente transcritos, da autoria de outros investigadores, o que constituía pesquisa original do professor conimbricense —, existia uma contribuição valiosíssima de natureza heurística e bibliográfica que seria aconselhável incluir no conjunto. Ocorreu-nos, então, fazer uma seleção do que, nesses Aditamentos e Notas, fosse representativo do trabalho do investigador pelo que concerne a uma atualização e mesmo a um labor de completação das referidas Noticias Chronologicas. Com umas outras poucas achegas focando aspetos, ainda que menores, relativos ao mesmo tema, foi possível organizar um volume formado por escritos sobre a Universidade de Coimbra. É verdade que no tomo VI já se editaram textos de Joaquim de Carvalho em que a história da Universidade de Coimbra foi objeto de focagem crítica. Trata-se, porém, da Universidade vista numa perspetiva mais específica e num estudo consagrado unicamente à história das instituições portuguesas de cultura. Por isso mesmo a coerência da estrutura global dos diversos textos integrados na Obra Completa não fica prejudicada.

Esta parte da obra do grande professor, publicada neste ano de 1992, aparece no momento oportuno, constituindo, 55 anos depois do IV.° Centenário do estabelecimento em Coimbra da Universidade portuguesa (em 1537), a contribuição de Joaquim de Carvalho para as celebrações do VII.° Centenário da fundação dessa mesma Universidade. É como se se tratasse da colaboração de um estudioso vivo, tão úteis, tão valiosas, tão prestimosas são ainda hoje essas notas e apostilas para a futura elaboração de uma monografia histórica que haja de ser levada a bom termo sobre uma instituição, como a nossa mais antiga Universidade, tão profundamente identificada com o evolver do pensamento nacional.

A seleção teve de ser muito severa para que o conteúdo deste VII.° tomo pudesse integrar-se nos Opera omnia. Não foi fácil proceder à eliminação do que era de outrem mas que, de algum modo, lhe pertencia também por opção e transcrição documental, a reforçar a sua própria pesquisa. Não seria, porém, razoável ampliar desmesuradamente este volume com textos de outros investigadores. Assim, ainda que fragmentárias, as notas e anotações eruditas constituem uma valiosíssima miscelânea, prova eloquente não só da extraordinária ciência histórica do seu autor, como ainda da sua capacidade de coordenação e de articulação heurísticas. Quanto à capacidade de elaboração crítico-hermenêutica, já dela nos dera sobejas provas em trabalhos incluídos nos volumes precedentes (no derradeiro poderão ler-se outros contributos de valor numa e noutra área). Aqui, todavia, nos 261 aditamentos históricos e bibliográficos (alguns deles são autênticas breves monografias de exata pesquisa) encontrará o leitor um manancial inesgotável de erudição concreta e, ao mesmo tempo, uma demonstração irrefutável do entranhado amor que Joaquim de Carvalho dedicava à sua Universidade.

Para se poder mais facilmente ter acesso aos originais utilizados como fontes, indicou-se o parágrafo respetivo, sendo possível logo e deste modo efetivar o confronto. Como, pela eliminação de muitíssimas e largas transcrições, a numeração não é, neste volume, idêntica à da edição de 1937, foi forçoso indicá-la entre parênteses retos. É óbvio que, quando o número não surge entre [  ], isso significa que existe uma coincidência de numeração titular, o que, aliás, só ocorre em 22 casos num total de 261 aditamentos e anotações. A seleção destas 261 apostilas representou um esforço não pequeno, já que pressupõe a eliminação de exatamente 318 títulos (o total atinge o somatório de 579 excursos eruditos). Estes dados estatísticos poderão ser indicativos do amplo e diuturno trabalho de reflexão que se impôs, depois de compreensíveis hesitações, levar a cabo, para serem apurados os 261 aditamentos, todos da autoria de Joaquim de Carvalho ou resultado da sua pesquisa pessoal. Se algumas destas notas são breves e sintéticas, outras há que representam verdadeiras pequenas investigações monográficas, à altura do grandíssimo pensador e historiador da cultura e das ideias. Delas nos ocuparemos em análise ligeira no lugar apropriado.

Vejamos agora o primeiro texto que integra, com os outros quatro capítulos, este VII.° volume. Redigido e publicado em 1919, num momento delicado da vida universitária coimbrã, assinala já a força intelectual, a lucidez de apreciação valorativa, o poder de criatividade e a frontalidade de coerência moral que irão caracterizar depois a produção científica do pensador, do professor, do investigador, assim como a exemplaridade ética do cidadão, nas quatro décadas em que erguerá a extraordinária obra cultural que é a sua.

2. A minha Resposta é um texto de 1919, escrito quando Joaquim de Carvalho, assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, andava pelos 26 anos. Posto em causa pelo Decreto n.º 5 770, de 10 de Maio desse ano, com o qual o então ministro da Instrução Leonardo José Coimbra desanexava da Universidade conimbricense a Faculdade de Letras, fundada em 1911, para a transferir para o Porto, o então jovem docente de Filosofia não esconde a sua indignação menos perante tão arbitrário ato, felizmente não consumado, do que pelas razões absurdas que o fundamentavam. No mais pretensamente justificativo «considerando» do referido decreto, «promulgado em nome da Nação para valer como lei», o ministro sustentava, com efeito, que «a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra tem orientado, embora notavelmente, a cultura dos alunos de modo a darem preferência à erudição livresca sobre as especulações originais do espírito moderno, manifestando-se na filosofia revelada nas obras dos seus principais professores e alunos laureados uma quási completa orientação tomista de forma escolástica».

«A imbecilidade deste juízo, só comparável à perfídia com que se lançou ao público!», comenta o jovem professor l. Efetivamente a orientação mental de Joaquim de Carvalho nada tinha nem de tomista nem de escolástico, embora uma tal posição filosófica não merecesse ser considerada vitanda, porque — escreve  - «não denuncia uma inferioridade intelectual», logo acrescentando ter sempre solicitado «a atenção dos [...] alunos, e nunca ex cathedra, [...] para o neokantismo», suscitando-lhes, porém, o interesse pela leitura de muitos outros filósofos além de Kant.

O texto de A minha Resposta não é — proclama-o o seu Autor — uma diatribe, mas um depoimento. Oferece, por isso, uma importância não anódina para definir o itinerário filosófico de Joaquim de Carvalho, o que já então havia percorrido e o que esperava vir depois a percorrer. O seu desejo de ir à Alemanha seguir os cursos de Cohen e Natorp na Universidade de Marburgo não pôde concretizar-se devido à guerra de 1914-1918. Voltou-se, então, para a reflexão filosófica do idealismo germânico, adotando Hegel por mestre no julgamento da História como criação filosófica. Mas não pôde também deixar de estudar o pensamento português, como provou com os seus dois primeiros trabalhos sobre António de Gouveia e Leão Hebreu, abraçando assim o aristotelismo e o platonismo do Renascimento, que Giovanni Pico della Mirandola sintetizou e procurou conciliar. Esta


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