Apresentação

Verifiquemos, em primeiro lugar, que todos estes excursos se situam realmente numa perspetiva de aditamento ou de completação com respeito às Noticias Chronologicas de Francisco Leitão Ferreira.

Em segundo lugar, há outros que não só se propõem completar e melhorar essas Noticias, mas até as modificam através da mais recente investigação sobre a Universidade.

Outros, baseados em mais rigorosas informações arquivísticas e bibliográficas, oferecem biobibliografias ou esboços biobibliográficos precisos e documentados acerca de personalidades do magistério universitário.

Os nossos melhores humanistas que professaram na Universidade de Coimbra beneficiam de resenhas mais ou menos amplas com a indicação das suas obras, apresentadas de maneira geral por ordem cronológica e, não raro, com apreciações adequadas sobre o seu conteúdo.

Fundado na sua grande erudição e valendo-se de uma documentação crítica apropriada, Joaquim de Carvalho retifica às vezes o conhecimento aventado por Leitão Ferreira, como, por exemplo, pelo que concerne às causas e circunstâncias da transferência da Universidade portuguesa de Lisboa para Coimbra em 1537, com a discussão pacata e lúcida do que, a tal respeito, foi proposto por outros investigadores.

Em todos estes excursos se focam os  problemas maiores e menores respeitantes à vida na Universidade, mesmo pelo que respeita a uma pormenorização minuciosa, relativa designadamente ao salário dos docentes, às sanções cominadas aos professores mais faltosos, ao regulamento dos atos académicos, à compostura exigida aos alunos durante esses atos e à punição fixada para a violação das normas que impõem uma atitude respeitosa, às disposições litúrgicas e protocolares em atos magnos, ao programa das cadeiras, às formalidades na atribuição dos graus, a particularidades relacionadas com as glosas da hermenêutica textual, ao regime de escolaridade, ao foro académico, à regulamentação do uso das insígnias, aos privilégios assim como às obrigações de presença nos conselhos, às atribuições do cancelário e do reitor em matéria de precedências hierárquicas nos atos solenes, aos encargos e despesas relativas aos graus de licenciatura e doutoramento, ao funcionamento dos serviços administrativos, à ordenação dos estudos em vários colégios, aos Estatutos novos e às modificações que a sua aplicação representava na vida da Escola. Como se está a ver, Joaquim de Carvalho debuxa-nos, através dos seus aditamentos às Noticias de Francisco Leitão Ferreira, um quadro completo, colorido e apaixonante, da vida quotidiana na Universidade, até com pormenores não raro pitorescos, reconstituindo o funcionamento institucional com as suas solenidades e grandezas mas também, às vezes, com as suas pequenas misérias.

Pode colher-se, à primeira impressão, a não exata ideia de que estes aditamentos e estas anotações não passam de uma explanação horizontal de ocorrências e eventos da orgânica escolar, algumas repetitivas e monotonamente idênticas ou análogas no evolver cíclico do tempo. Que o leitor observe, porém, que se trata apenas de comentos, acrescentos e retificações a Noticias que, na sua estrutura, constituem uma exposição ordenada mas retilínea sobre a vida da Universidade situada primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, redigida por um extensor que nem sempre podia metodologicamente dominar todo o acervo documental à sua disposição. O processo evolutivo da arquitetura compositiva não dependia de Joaquim de Carvalho, mas de Leitão Ferreira. A ordem do texto comentado, glosado, melhorado e retificado impunha-se. Não havia que estruturar um discurso original, verticalmente lançado na sua coerência, mas apenas que respeitar a ordenação progressiva, em excursos que se estendem harmoniosamente num espaço linear. Não obstante, nos textos de mais largo respiro, o comentador soube focar criticamente o que de novo podia enriquecer o referente, nunca perdido de vista, através de pequenos esboços monográficos que bem assinalam o seu talento de criatividade. É principalmente aí que mais uma vez podemos admirar a capacidade de análise e de síntese dilucidativas, o poder de coordenação e de articulação, a clareza de expressão verbal e de ordenação lógica, o domínio magistral de uma informação erudita vastíssima, sempre bem administrada, bem arrumada, posta ao serviço de um objetivo crítico que é o de fabricar ciência histórica sem permitir que os materiais documentais esmaguem o juízo intelectual.

Valeu, portanto, a pena ter reunido neste VIL° volume da Obra Completa de Joaquim de Carvalho estes seus estudos eruditos, fruto de uma pesquisa diuturna e rigorosa, sobre a Universidade que tanto soube prestigiar com a sua ciência e com o seu magistério. Dir-se-ia que, com eles, o velho lente regressa à sua cátedra para, na ocorrência do VIL° centenário da fundação da sua Escola de novo a honrar e lhe prestar, em tempos de platitude tecnocrática, a homenagem do seu raro saber de Humanismo, exatamente no dia camoniano em que, se se encontrasse ainda no meio de nós, completaria cem anos de idade.

JOSÉ V. DE PINA MARTINS

Lisboa, 10 de Junho de 1992.


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