Quem possui esta constituição, carece de maturidade de pensamento e não propriamente da perseverança e do tempo inerentes à elaboração do trabalho erudito; por isso, o estilo do Quod nihil scitur é rápido e incisivo, mostrando que a obra foi redigida como que de um jato —, o que aliás o próprio Sanches sugere, pois guardara o manuscrito na escrivaninha, não para o acrescentar dia a dia com novos períodos, mas para verificar se ao cabo de nove anos a construtura que lhe dera resistia aos progressos do seu saber e da sua reflexão.

Do que vimos dizendo resulta que a incerteza da cronologia da redação não atinge a conjetura do Quod nihil scitur ter sido publicado sob o imperativo da urgência e que ao dá-lo a público Sanches se apresentava como combatente da verdade, ou mais propriamente, como militante vitorioso do erro —, falsitatem expugnaturus miles. Possuía uma verdade, e essa verdade afirmara-a, sob um aspeto, no Carmen de cometa e afirmava-a agora, sob outro, no Quod nihil scitur: no Carmen, combatia a predição astrológica por ser contrária ao conceito de «Natureza eterna» e ao discurso do pensamento diretamente vinculado aos factos e às coisas, e no Quod nihli scitur combate a legitimidade da conceção que edifique a Ciência sobre ideias gerais ou se constitua dedutiva ou combinatoriamente a partir de conceitos universais. Por isso, é admissível que o Quod nihil scitur tenha sido redigido depois do Carmen de cometa, sob o impulso da hostilidade a uma conceção que Sanches considerava errónea e pedagogicamente nociva.

Sendo assim, a sua filosofia, a sua conceção da pedagogia e o seu interesse pessoal coincidiram na urgência da publicação do Quod nihil scitur, pelo que a indulgência que pediu a Diogo de Castro, a quem já havia dedicado o Carmen de cometa, por lhe ofertar uma obra setemesinha, pode ter sido um artifício literário para significar que as circunstâncias lhe haviam imposto a publicação urgente e, por assim dizer, prematura.