4. Anotações ao Tratado da Sphera

a) Ao empreender a tradução do Spherae Tractatus, de Sacrobosco, Pedro Nunes não divulgava um livro desconhecido, quer no original latino, quer na versão portuguesa. Com efeito:

- Quanto ao original, parece que a mais antiga referência expressa por parte de um autor português se encontra no Livro da Montaria (p. 127), redigido (ou colaborado?) por D. João I, entre os anos de 1415 e 1433, e publicado por Esteves Pereira, por ordem da Academia das Ciências, em 1913 (ver Luciano Pereira da Silva, “O astrólogo João Gil e o Livro da Montaria”, in Lusitania, Revista de Estudos Portugueses, fasc. I do vol. II (e em separata), Lisboa, 1924). É legítima, porém, a conjetura de um conhecimento anterior ao século XV.

— Quanto à versão, dissemos já (hic, p. 278) que Pedro Nunes tivera um precursor, de nome ignorado, cuja tradução foi impressa, pelo menos, duas vezes: o Tractado da Spera do mundo, nos referidos Regimentos de Munique e de Évora.

Não obstante, a sua tradução é original; o simples confronto com a do ignorado antecessor patenteia evidentes e numerosas diferenças de redação, devidas, sem dúvida, ao diverso conhecimento das línguas latina e portuguesa, e também, possivelmente, à utilização de textos diferentes do original de Sacrobosco. Demais, Pedro Nunes singularizou ainda a sua tradução, enriquecendo-a de observações pessoais, que, à maneira de glosa, situou em cota marginal, por forma que a simples inspeção topográfica evitasse a confusão com o texto do autor.

O Tractado da Spera do mundo parece ter tido por fonte a edição do Tractatus de Sacrobosco de 1488, de Veneza. Não lográmos ver esta edição; apresentando, porém, a versão de Pedro Nunes numerosas diferenças de redação relativamente àquele Tractado, é de admitir a hipótese de elas resultarem, em grande parte, da circunstância de os tradutores haverem utilizado edições diversas. Daí, o problema: que edição do Tractatus de Sphaera serviu de fonte a Pedro Nunes?

b) Os quatro capítulos em que se reparte a obra do matemático inglês constituem, no autorizado juízo de Pierre Duhem, “un petit traité bien humble, bien pauvre d'idées comme de faits et, pour tout dire, bien médiocre. Ce que les premiers chapitres enseignaient des mouvements des sphères célestes n'excédait guère les connaissances astronomiques qu'on peut raisonnablement prêter à Pythagore; au quatrième chapitre seulement, le système des épicycles et des excentriques était esquisse, mais d'une façon trop sommaire pour être claire.

Au-delà de la sphère des étoiles fixes, Johannes de Sacro-Bosco place une neuvième sphère qu'il nomme la sphère du premier mobile; mais ii n'en justifie d'aucune manière l'introduction, car ii ne fait pas la moindre allusion au phénomène de ia précession des équinoxes”.

A despeito desta mediocridade científica e carência de originalidade, pois é o resumo do Alma jesto de Ptolomeu e dos Elementos de Astronomia de Alfragano, o Tractatus de Sphaera, como as Summulae logicales de Pedro Hispano, oferecia ao mestre medieval do Quadrivium um manual didático, em que as noções fundamentais da astronomia e da cosmografia eram expostas ordenadamente, proporcionando, a um tempo, ao aluno, a apreensão da teoria, e ao mestre, o desenvolvimento ou comentário do respetivo texto, tão do agrado das Escolas. A ordenação didática supriu a mediocridade científica do compêndio, e graças a ela logrou “tal celebridade que, durante trezentos anos, não se conheceu outro nas escolas”.

Tão grande manuseio e prolongada aplicação explicam facilmente a copiosa existência de manuscritos e comentários, assim como a abundância de edições, das quais a primeira viu a luz em Ferrara, em 1472. Foi o primeiro  livro de astronomia reproduzido pelo prelo recentemente inventado; só no século XV contam-lhe os bibliógrafos vinte e cinco edições diferentes, no século XVI sucedem-se-lhe as impressões, e, o que mais importa, uma série apreciável de escritos quinhentistas de astronomia revestiram a forma de comentários ao Tractatus de Sphaera.      

Pedro Nunes, à data do empreendimento da sua versão, tinha pois, ao seu dispor numerosas edições. Em tão abundante variedade é difícil determinar com rigor a edição que utilizou, tanto mais que, por carência de exemplares, não pudemos comparar todas as edições anteriores a 1537.

Nestas deficientes condições de trabalho, a nossa atenção fixou-se em duas edições, cujos textos oferecem paralelismo com a versão de Pedro Nunes. Sãos as seguintes:         

1) Textus de Sphxra Ioannis de Sacrobosco: Introdvctoria additione (qvantum necessarium est) commentarió que ad vtilitatem studentium Philosophix Parisiensis Academix illustratur. Cum compositione Annuli astronomici Bonetti Latensis: Et Geometria Euclides Megarensis.       

Parisiis. Vwnit apud Simonem Colinaeum. 1534.             

Exemplar existente na Biblioteca da Ajuda.       

2)            SHPERAE TRACTATUS

·      Ioannis de Sacro Bvsto Anglici Viri Clariss.

·      Gerardi Cremonensis Theoricae Planetarvm Veteres.

·      Georgii Pvrbachii Theoricx Planetarvm Novae.

·      Prosdocimi de beldomando patauini super tractatu sphaerico commentaria, nuper in lucem diducta per.L. Ga. nunquam amplius ipressa.

·       Ioannis baptistae capuani sipontini expositio in sphaera & theoricis.

·      Ioannis de monteregio disputationes contra theoricas gerardi.

·      Michaelis scoti expositio breais & questiones in sphaera.

·      Iacobi fabri stapulensis paraphrases & annotationes.

·      Campani cõpendium super tractatu de sphera.

Eiusdem tractatulus de modo fabricandi spheram solidam. 41

·      Petri cardin. de aliaco efii cameracensis.14. Quaestiones.

·      Roberti linconiensis efii tractatulus de sphaera.

·      Bartholomei uesputii glossulae in pleris que locis sphaerae.

Eiusdem oratio. De laudibus astrologiae.

·      Lucx Gaurici castigationes & figurae  toto opere diligétissime reformatae.

·      Eiusdê quaestio Nunquid sub aequatore sit habitatio.

·      Eiusdê Oratio de inuêtoribus & laudibus Astrologiae.

Reuerêdissimo cardin. epo D. Bernardo Tridentinorum principi dicata.

·      Alpetragii Arabi Theorica Planetarum Nvperrime Latinis mandata literis a calo calonymos hebreo neapolitano, ubi nititur saluare apparentias in motibus Planetarum absque eccentricis & epicyclis. MDXXXI.


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Vamos corrigir esse problema