4. Anotações ao Tratado da Sphera

Sob o ponto de vista do texto, o problema capital que se nos impõe é o da determinação da tradução latina que Pedro Nunes utilizou, pois confessando (vol. I, p. 3, 1. 37) haver vertido este “Liuro primeiro da Geographia” do latim, que não do original grego, não nos indicou a versão que seguiu.

O problema oferece algumas dificuldades; basta atentar na circunstância de Pedro Nunes ter podido dispor de numerosas edições latinas, algumas das quais foram emendadas por diversos corretores e se nos apresentam, por vezes, sob títulos diferentes: Cosmographia, Geographia, Ennarrationes Geographicae, etc.

Socorrendo-nos principalmente das investigações de Philip Lee Phillips, de Wilberforce Eames, de J. A. Sánchez Pérez  e de Eloy Bullón y Fernández (marquês de Selva Alegre), apontaremos concisamente, a mero título informativo, as seguintes edições latinas até 1537:

1475: Cosmographia. Traduzida por Jacobus Angelus de Searparia (Giacomo Angelo), e impressa em Vincenciae (Colónia). Sobre esta tradução escreve Lee Phillips, ob. e vol. cit., p. 105: “Of the many editions, the 1475 edition, without maps, is the earliest known with exception of that of 1462, which is evidently misdated”.

1478: Roma.

1480? (1478?): Florença.

1482 (?): Bolonha. Esta edição traz a data de 1462, por lapso de 1482 (?); por isso é frequentemente referida como 1ª edição.

1482: Cosmographia. Trad. de Jacobus Angelus. Impressa em mm. 1486: Cosmographia. Trad. de Jacobus Angelus. Impressa em Ulm. 1490: Geographia. Trad. de Jacobus Angelus. Impressa em Roma. 1502: Estrasburgo. Referida por Sánchez Pérez, ob. cit., p. 243.

1507: Geographia. Trad. de Jacobus Angelus, revista por Marcus Beneventano e João Cota de Verona. Impressa em Roma.

1508: Geographia. Reedição do texto da edição de 1507. Impressa em Roma. Esta edição é notável pelos mapas, especialmente pelo de Johann Ruyseh, referente a uma parte da América recém-descoberta. Segundo Nordenskiõld, Facsimile atlas to the early history of cartography with reproductions of the most important maps printed in the XV and XVI centuries (Estocolmo, 1889), p. 63, oferece esta edição, dentre outras singularidades, “the first printed map of the world on which the discoveries of the Portuguese along the coasts of Africa are laid down (...)”.

1511: Liber Geographiae. Trad. de Jacobus Angeius com correcções de Bernardus Sylvanus de Eboli. Impressa em Veneza.

1513: Greographiae Opus. Impressa em Argentinw. Trad. de Jacobus Angelus comparada com um ms. grego cedido por João Francisco Pico de Mirandola aos editores Mathias Ringmann (Philesius), Jacobus Eszler e Georgius Ubelin.

1514: Noua translatio primi libri geographiae Cl. Ptolomaei Ioanne Vernero... interprete..., Nuremberga. [Ver hic, p. 413.]

1519: Cracóvia. Ed. incompleta. Indicada por Sánchez Pérez, ob. cit., p. 243.

1520: Ptolemaeus auctus restitutus. Emaculatus. Texto da edição de 1513. Impressa em Argentorati (Estrasburgo).

1522: Claudii Ptolemaei... Opus Geographiae    Trad de Jacobus Angelus. Impressa em Argentorati (Estrasburgo).

1525: Claudii Ptolemaei Geographicae Enarrationis Libri Octo. Bilibaldo Pirckeymhero Interprete. Annotationes loanis de Regio Monte in errores commissos a Iacobo Angelo in translatione sua.

Cólofon: Argentoragi (Estrasburgo), Iohannes Grieningerus, communibus Iohannis Koberger impensis excudebat. Anno a Christi Natiuitate M. D. XXV. Tertio Kal'. Apriles.

Singulariza o texto desta edição a circunstância de ser revisto — Lee Phillips, ob. cit., p. 120, chama-lhe “new translation” — por W. Pirckheimer, e publicar as anotações de João Regiomontano. O Sr. Leite Pinto reproduziu em gravura o frontispício desta edição, da qual se guarda um exemplar na Biblioteca Nacional de Lisboa.

1533: Translatio noua primi libri geographiae... [Ver hic, p. 4141

1535: Claudii Ptolemaei Alexandrini Geographicae Enarrationis Libri Octo. Ex Bilibaldi Pircheymheri tralatione, sed ad Graeca & prisca exemplaria à Michaêle Villanouano iam primum recogniti. Adiecta insuper ab eodem Scholia, quibus absoleta urbium nomina ad nostri seculi morè exponuntur.

Quinquaginta iil quoque cum ueterum tum recentium tabulae adnectuntur, uarijq'; incolentium ritus & mores explicantur.

Lugdvni. Ex Officina Melchioris et Gasparis Trechsel Fratrvm. M.D.XXXV.

Colófon: Excudebant Lugduni Melchior et Gaspar Trechsel. Fratres. M. D. XXXV.

Miguel Vilanovano é Miguel Servet. Sobre esta edição, singular pelo cotejo de códices, pode ver-se o citado discurso de E. Bullón y Fernández.

Com exceção da tradução do matemático João Vernero (Iohann Wemer), limitada ao Livro I e parte do Livro VII, as demais traduções são completas; apesar de limitada, porém, a tradução de Vernero tem para nós particular importância, pelo que descreveremos as respetivas impressões. A primeira edição viu a luz, em 1514, no livro seguinte:

No fim: Explicit geographicus hic liber: per ipsius compositorem: atca per Conradum Heifogel artium & philosophim magistrum; diuiu Maximiliani Imperatoris Cappelanum. Et haud mediocrem mathematicú fideliter emendatus recognitusw. Necnon a Ioanne Stuchs Nurenbergw impressus. Anno domini nostri Iesu Christi. Millesimo quingentesimo decimoquarto. pridie nonas Nouembris phebe ad louis contubernium defluente.

Mais tarde, em 1533, a tradução e anotações de João Vernero, tiveram segunda edição, incorporada no seguinte livro, já atrás referido e do qual existe um exemplar na Biblioteca da Universidade de Coimbra:

Perante esta abundância de edições latinas do Livro I da Geographia de Ptolomeu, anteriores a 1537, nas quais se contam, pelo menos, quatro traduções diversas (Jacobus Angelus [Giacomo Angelo]), corrigida por vários editores, João Vernero, Bilibaldus, Pirckeymherus (Willibald Pirkheimer), e Michael Villanouanus (Miguel Servet), ocorre naturalmente a pergunta: que texto latino adotou Pedro Nunes para base da sua versão portuguesa?

Pode afirmar-se com segurança que Pedro Nunes conheceu a tradução de João Vernero, pois esta tradução era seguida de anotações, particularmente notáveis no aspeto matemático, algumas das quais expressamente citou e criticou, como provaremos adiante, hic, nas notas às “Annotações neste primeyro livro de Ptolomeo”. Conhecendo, porém, esta tradução latina, com igual segurança podemos afirmar que a não utilizou como fonte direta, pois basta o mero confronto dos textos para se patentear a respetiva divergência. Ignoramos os motivos que levaram Pedro Nunes a não seguir o texto fixado por Vernero; é admissível, porém, a conjetura de ter tido presente a seguinte crítica que Bilibaldus Pirckeymherus lhe dirigiu no prólogo-dedicatória da tradução que concluíra em 1524 e imprimiu pela primeira vez no ano imediato: “Etenim cum duo (quantum scio) extiterint, qui librum hunc uertere sunt ausi, Iacobus nempe Florentinus, et Ioannes Berenherus conterraneus noster, Italus tamen, licet graeca aliquantulum calluisse uideri possit, disciplinas tamen Mathematicas ita ignorauit, ut plerumque nec semetipsum intellexerit. Germanus uero, tametsi in Mathesi admodum excelluerit, in graecis tamen adeo aliquando,hallucinatus est, ut rebus potius caliginem obfuderit, quam luminis aliquid attulerit”.

Excluída a tradução de Vernero, poderia hesitar-se entre as traduções de Jacobus Angelus, Bilibaldus Pirckeymherus e Miguel Servet; a hesitação, porém, cessa ao estabelecer-se o confronto da versão de Nunes com a de Pirkheimer, visto o respetivo paralelismo ser flagrante, como se pode verificar no presente volume.


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Vamos corrigir esse problema