1. A soberania nacional

O juízo é insuspeito e autorizado; e se do juízo passarmos aos factos, compreenderemos claramente que, pelo insucesso da Patuleia e pelo receio de se reavivarem as paixões, introduzindo na Carta o princípio da soberania nacional, a bandeira erguida em 1820, em 1836 e em 1847 se deslocasse do campo dos partidos monárquicos para o domínio das aspirações republicanas.

Em 1871, o jornal lisbonense A Democracia, reformista, que não republicano, advogou «a urgente convocação de Cortes Constituintes, que dotem o nosso país com uma constituição pura e essencialmente democrática». Partia do facto, geralmente reconhecido, de que a Carta estabelecera uma ponte provisória entre «o absolutismo e a soberania nacional» — o que a marcara indelevelmente com o estigma da transitoriedade. De transação provisória, convertera-se, porém, em estudo definitivo, e quer por este salto, quer pela impermeabilidade dos partidos constitucionais, os herdeiros do vintismo e do setembrismo; assim como os desiludidos da reforma conciliadora, tiveram de isolar-se da política do regime, vivendo uma existência marginal.

Foi neste isolamento, prenúncio de vida autónoma, que nasceram e se tonificaram os sentimentos de eversão da monarquia representativa. No jornal republicano A Democracia, de Elias Garcia, escrevia-se em 1873 que «os partidos republicanos nascem não só da evolução lógica das ideias, mas também e principalmente •dos erros, desvarios, egoísmos das monarquias, porque os partidos monárquicos, quando excluídos violenta e sistematicamente do poder, transformam-se forçosamente em republicanos». Soberania efetiva, dizia-se, só a do rei: a dos portugueses, «escravos forros», é fictícia. Impulsionados por este sentimento, os espíritos livres eram arrastados a ver no trono o inimigo. Daí as campanhas insistentes e retumbantes contra o Paço e a Camarilha, as quais Rodrigues Sampaio inaugurara, e a Lanterna, sob o romanesco do mistério e com a sedução da intrepidez perante a perseguição, dilatara, levando aos pacíficos meios da província o fermento das discussões demolidoras.        

A ideia de soberania nacional, no sentido moderno do conceito, foi uma ideia importada, como o fora a política da Contra-Reforma no século XVI e o despotismo ilustrado de Pombal no século XVIII; integrou-se, porém, na vida real e profunda da Nação, não apenas pela forma como foi vivida e conquistada, senão também pela ordenação do novo orbe político — novo como o foram na sua hora os do pretérito.        

Dissimulada, depois de claramente afirmada, o partido republicano, ao retomá-la, surge-nos como o termo lógico, se não historicamente necessário, de imperativos éticos radicados na consciência liberal dos portugueses.


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