Discursos académicos de circunstância

Tais são, em meu conceito e com rápida visão, os tópicos capitais da obra científica do Sr. Vilhena, a qual pode ser discutida hoje, e será certamente corrigida e dilatada amanhã, pois esta é a sorte gloriosa das verdadeiras obras de ciência. Aqui, e neste momento, era sobre esta obra que me cumpria fazer incidir a minha atenção; mas posso porventura esquecer, sem lhe mutilar a personalidade mental, que o Sr. Vilhena se não deixou aprisionar dentro das muralhas do especialismo? O diletantismo é um licor venenoso, que estimula a flexibilidade da inteligência à custa do vigor que lhe rouba, mas o especialismo estreito é um pecado mortal, porque amputa as raízes que prendem o espírito à vida. O Sr. Vilhena ama por demais a vida na plenitude das suas formas e projeções para se deixar aprisionar dentro de um canteiro, por florido que seja; por isso o seu espírito se evade às vezes para outras regiões, onde a inteligência não busca apenas o que é, mas o que deve ser ou se compraz em imaginar. E assim, a obra do sábio ajunta à do crítico literário, distantíssimo do regrado polícia do estilo, a do metafisico que lucubra sobre a moral e a criação estética, e a do imaginativo, que mediante a ficção romanesca evoca momentos de alma, na ambição de surpreender a consciência psicológica no retorno à adolescência, nos estados de dispersão, de inconsciência e de sonho. Não sei o que o futuro reserva aos escritos literários do Sr. Vilhena, e se o suspeitasse não o diria, porque abomino os vaticínios proféticos; contento-me apenas em reconhecer com aplauso que ele venceu a rivalidade surda que de há muito e em todas as latitudes existe entre o enlevo da criação artística e o esforço de explicação científica.

Sr. Henrique de Vilhena!

Ides ocupar a cadeira que em vida pertenceu ao Sr. Gomes Teixeira. Em obediência aos preceitos que nos regem, acabais de proferir o elogio histórico do vosso insigne predecessor, cuja memória a nossa Companhia venerará perduravelmente pela exemplaridade com que enobreceu os ofícios académicos na cadeira e na tribuna, e cuja obra brilhará na história da ciência com o fulgor perene da inteligência devotada ao saber puro, isto é, ao saber que entende plenamente porque demonstra a necessidade racional do entendido. Sem amputar demasiadamente a variedade das formas do saber, pode talvez dizer-se que a ciência se edifica sobre três operações da razão: distinguir claramente a realidade da aparência, o que a coisa é e do que parece ser; definir a realidade, isto é, cingir a coisa na sua essência, e finalmente entender a realidade, isto é, demonstrar porque a coisa é como é. Três operações, que, por serem diversas, dão lugar a três formas da ciência, das quais a mais simples e a primeira que surgiu na humanidade é a que se constrói sobre o distinguir e a mais pura e perfeita a que recorre apenas ao entender, isto é, ao demonstrar. O Sr. Gomes Teixeira foi talvez na sua hora a mente portuguesa que atingiu as cumeeiras mais altas e solitárias do saber que demonstra; e digo talvez porque a minha ignorância das matemáticas me veda o passo das excursões por essa região ideal dos números e das formas geométricas, que domina e preside ao aparente tumulto do mundo em que vivemos. Por isso, também, não censurarei o vosso elogio, antes me associarei convosco para admirar a eloquência do panegirista que, depois de Latino Coelho, soube revestir o pensamento científico com os melhores adornos do nosso vernáculo, e o historiador emérito da ciência, que no Tratado das Curvas especiais notáveis, até onde logro alcançá-lo, deixou um monumento único na nossa historiografia, e na História das Matemáticas em Portugal, o paradigma das monografias que a história nacional das diversas ciências espera e reclama. Na história científica universal, assim como na quota colaboradora de cada povo para o tesouro comum da humanidade, não são propriamente a descoberta das coisas novas e o acréscimo do já sabido os verdadeiros índices da glória. Esses índices encontro-os nos métodos de trabalho, nos hábitos e atitudes da inteligência, no ideal científico, numa palavra, e porque vós, como Gomes Teixeira, honrais, embora por vias e com sentido diverso, a razão que esclarece e explica e o ideal que seduz e ilumina, apresento-vos as boas-vindas, com votos fervorosos de que por dilatados anos presteis à nossa Companhia os serviços que ela de vós espera.

3. DISCURSO 

Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal,

Minhas Senhoras

Meus Senhores:

Como presidente dos «Amigos do Museu» cabe-me o indeclinável dever de apresentar as boas-vindas e os nossos cordiais agradecimentos aos ilustres oradores que com a sua palavra vão honrar a nova fundação do Museu Santos Rocha. Cumpro-o com sincero júbilo, porque além da satisfação pessoal de significar a minha admiração pelas qualidades que os distinguem, cada um exprime, original e inconfundivelmente, uma maneira de sentir esta nossa terra e de prezar a instituição, que é atualmente, para nós figueirenses, o mais alto penhor do nosso respeito aos valores da cultura e do espírito.

Por deveres inadiáveis, não pode acompanhar-nos neste momento o insigne Professor, meu ilustre confrade e amigo, Henrique de Vilhena, a pessoa mais autorizada, pela convivência, pelo saber e pelo afeto, para falar de Santos Rocha. Para S. Ex.ª' Vão as nossas saudações, porque todos sabemos quanto esta cerimónia é gratíssima ao seu coração e à sua inteligência pelo que ela representa de desenvolvimento da obra fundada perduravelmente por Santos Rocha. Substitui-o o Sr. António Vítor Guerra, Diretor do Museu. Este nosso distinto conterrâneo supre a vivência pessoal e o conhecimento científico de Santos Rocha com a perseverante e abnegada dedicação à sua obra mais tangível e, por assim dizer, mais persuasiva: o Museu.

Com Santos Rocha e com o grupo dos seus primeiros colaboradores, o Museu foi concebido, essencialmente, como documentário da pré e da proto-história da nossa região, na admirável ambição de patentear os mais remotos pergaminhos da nossa existência como povoado. O que é e o que vale essa obra, atestam-no os juízos de notáveis arqueólogos nacionais e estrangeiros, mas com ser grande, ela foi, de certo modo limitada, porque os olhos de Santos Rocha, de tanto perscrutarem no passado longínquo e nebuloso, como que se haviam tornado cansados para a visão próxima de outras manifestações, designadamente da criação estética. O Sr. António Vítor Guerra respeitou e manteve, como lhe competia, a herança com que Santos Rocha enriqueceu e ilustrou a nossa terra, mas entendeu, com o aplauso de algumas pessoas, ser chegada a hora de alargar o Museu com novas Secções, e ter levado a cabo este propósito com incansável perseverança e abnegado desinteresse é para o seu nome título de honra e, para nós, figueirenses, motivo de reconhecimento.

Diz-nos a experiência a cada instante que adquirir de novo nem sempre custa, mas conservar o que os outros legaram é sempre difícil. Para isso exigem-se certos predicados e o concurso de circunstâncias favoráveis, e estes predicados e estas circunstâncias encontrou-as o Sr. António Vítor Guerra na edilidade camarária e no seu ilustre Presidente, sem cujo apoio decidido e sem cuja atividade infatigável a obra que vamos dentro de alguns minutos admirar não ultrapassaria o domínio, por vezes ridículo, das boas intenções malogradas. Para a Ex.ª"'. Câmara, e para o seu Presidente, o Exmo. Sr. Dr. Rui Nogueira Ramos, vão pois, também, os aplausos do nosso reconhecimento.


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Vamos corrigir esse problema