Oróbio de Castro

Parte então para França; conquista uma cátedra na Faculdade de Medicina de Toulouse, sustentando teses de Putrefactione, e granjeia tal nomeada que, segundo Kayserling, foi nomeado conselheiro real por Luís XIII.

Em França, como em Espanha, apresentava-se como católico; porém, em ano incerto, que alguns fixam em 1666, troca Toulouse por Amesterdão, e na nova Terra da Promissão opera a circuncisão e professa francamente o Judaísmo, mudando o nome do batismo, Baltazar, no de Isaac.         

Foi um ato de sinceridade; materialmente, abandonou em França uma situação de renome, porventura rendosa, e moralmente, a exaltação e combatividade do seu judaísmo autorizam o juízo do sábio Ribeiro dos Santos, quando no final do século XVIII escrevia que a «Religião Cristã não tem tido nestes últimos séculos adversário mais cruel e obstinado».               

Dir-se-ia que ao circuncidar-se sepultara todo o seu passado; o médico e o professor cederam o lugar ao zelote vigilante e ao polemista arrebatado. Os correligionários veneram-no então pelo saber e pelo zelo ortodoxo, e quando os gongóricos poetastros da judiaria de Amesterdão fundam (1685) a Academia de los Floridos, é o seu nome que logo ocorre para presidir à companhia.   

Daniel Levi de Barrios (1620-1701), o poeta do exílio, por muito que descontemos à sua musa de pedinte o exagero lisonjeiro, testemunha o orgulho dos israelitas pela conversão de Oróbio, ao consagrar-lhe em 1672, no Coro de las Musas, este laudatório soneto:              

Quantos blasones animados suma

El metal retorcido que te aclama,

Pastos son generosos de la clama

Que despiden los rayos de tu pluma.

Todo el mar del saber es leve espuma

A tu ingenio, que el Franco Sol inflama,

Mercurio excelso con triunfante rama,

De la Apolinea Ley Hespério numa.

No mereció Galeno, ni Vergílio,

Como la que à tu frente das corona,

Luz de la Medicina, y la Poesia.

Cantan las Musas con tu doce auxílio,

Que si en sus ciencias yerros vió Helicona,

Solo en D. Baltasar-Oróbio el dia.

Mais tarde, poucos anos volvidos, o poeta encontra outros motivos de louvor; assim na Academia de los Floridos, exalta-lhe o zelo ortodoxo,     

Don Balthasar Orobio

De Hippocrates honor, de Edom oprovio,

De Epicuros horror, de la Ley Gloria,

Hace de su gran fama eco á la história,

Medico-Professor con elegancia,

E Confesero [consejero] fiel del Rey de Francia

e na Relacion de los Poetas y Escritores Españoles de la Nacion Judayca en Amsterdam, escrita por 1684, a combatividade polémica:           

Ishac Orobio, Medico Eminente

Con sus libros da envidia a lo sapiente,

Y en lo que escrive contra el Atheista

Espinosa, mas clara haze la vista.

Os indigentes versos valem apenas como documento biográfico; comentá-los é compreender o denodo farisaico de Oróbio de Castro e acompanhá-lo na luta contra o libertino heterodoxo Juan do Prado e contra o espinosismo, em defesa da Lei e da tradição.       

Para os cristãos-novos de Portugal, Amesterdão tornara-se numa nova Sião de todos desejada, onde alguns chegaram aos acasos da sorte e muitos aportaram amparados por um serviço secreto de assistência na fuga; assim, por 1675, o povo apelidava de passadores de cristãos-novos os Magadouros, ricos judeus negociantes de Lisboa, e Daniel Levi de Barrios, na Academia de los Floridos, enaltece Manuel de Lara por haver atraído ao Judaísmo mais de trezentos marranos:

Conduciste al Judaismo

Mas de trecientas personas,

Con las mosaycas coronas

 Que das honor al abismo.

A emigração significava, pois, a réplica audaz da Sinagoga. A captação que esta exercia, porém, se por um lado alardeava o orgulho da resistência do povo eleito, por outro punha em perigo a continuidade dos ritos e da tradição. Um século de cripto-judaísmo bastara para transformar e mesmo obliterar o conhecimento das prescrições religiosas; compelidos a praticar uma religião oculta, cujos ritos o baixo povo adulterou e cuja doutrina, pela ausência de magistério rabínico, os esclarecidos supriam com a interpretação pessoal do Antigo Testamento no recanto do gabinete e na recâmara da consciência, os cristãos-novos perderam o conhecimento da crença avita e inconscientemente viveram uma religião enviesada e mestiça, nascida do torpe conúbio da fidelidade ao Judaísmo, que ignoravam, com o fingimento do Catolicismo, que detestavam. Ao entrarem nas Sinagogas da Holanda todos careciam de reeducação, e se a maior parte se submeteu docilmente às prédicas dos rabinos, alguns houve que se não despojaram de hábitos e pensamentos desconformes e heterodoxos.

Chegaram até nós alguns testemunhos da lacerada consciência moral e religiosa destes desditosos emigrados; nenhum, contudo, tão elucidativo e claro como o que Oróbio de Castro nos legou na Epistola invectiva contra Prado un Philosolo Médico, escrita por volta de 1660: «Los que se retiran de la Ydolatria a las Provincias donde se permete libertad a el Judaismo, son en dos maneras, unos que en llegando a el desseado Puerto recibiendo el sancto firmamento emplean toda su voluntad en amar la divina Ley, procurando quando alcansa la fuersa de su entender à aprender lo que es necessario para observar religiosamente los sagrados preceptos, fueros, y seremonias, que con el misero captiverio olvidaron ellos, y sus mayores, oyen humildes a los que por haverse criado en Judaismo, y aprendido Ley pueden explicarlo, hazense quanto pueden capazes, de los estilos, tradicciones, y costumbres loables que observa Israel por todo el universo, cada uno conforme su estado, y possibilidad para ordenar su vida en servicio de Dios, y evitar los errores que antes ocasionava la ignorancia. Estos vinieron enf irmos de ignorancia, mas como no les assistia la horrible enfirmidad de la soberbia facilmente sanaria gustan.do al saludable, y sancta medecina que le ofrece la piedad de sus hermanos; pues en llegando desde el mayor Haham, al mas Lego, todos procuran enseflarle, para que no yerre en la observancia de la Ley divina.»

 «Otros vienen a Judaismo, que en la idolatria estudiaron algunas sciencias prophanas, como Logica, Philosophia, Methafisica y Medicina, estos llegan no menos ignorantes de la Ley de Dios que los primeros, mas llenos de vanidad, y soberbia, de altives, persuadidos que son doctissimos en todas materias, que todo saben, y aunque ignoran lo mas essencial creen que lo saben todo, entran debaxo de el dichoso Jugo del Judaismo, empiessan a oyir de los que saben aquello que ellos ignoran, no les permite su vanidad, y soberbia recebir doctrina para salir de la ignorancia, pareceles que descaecen dei credito de Doctos si se dexan enseflar de los que verdaderamente lo son en la Ley sancta, afectan grande sciencia en contradezir lo que no entienden, aunque vá todo verdadero, santo, todo divino, pareceles, que con hazer argumentos sophisticos sin fundamento alguno se acreditan de ingeniosos, de agudos, de cientes, y lo peor es que consiguen esta opinion entre algunos que por sus pocos anos, o por su mal natural presumen de discretos, y aunque no entienden cosa de lo que dize el inuevo Philosopho contra la Ley de Dios, con todo hazen como que lo entienden, por no confessar que no lo entienden, y quedar calificados de entendidos, estos acaban de ensoberbecer al tal sophistico, crece su soberbia, y al mismo passo su impiedad, con que a pocos lances caen en el abismo de la Apostacia, y heregia».


?>
Vamos corrigir esse problema