Cartas de José da Cunha Brochado ao Conde de Viana, D.S José de Meneses (1705-1710)

Exmo. Sr. Rendo as graças a V. Ex.ª p. benevola carta q me fez favor de escrever em 19 de Dez.°, e pesso a D. q dê a V. Ex.ª com hüa saude restabelecida hüas festas m. alegres, e taõ alegres como seraõ nesse Lugar socegadas, e pacificas. Nesta terra deve de havellas, mas naõ sei aonde ellas moraõ, se já naõ hé, que aqui se tem por festa fartes endurecidos, e morgados sem sabores. Ditoso V. Ex.ª, q longe dos neg." publicos goza na bem aventurança do retiro a felicidad hüa alta contemplaçam.               

Naõ sei com q fundam.t° se publicou por essas p. q se tratava de hüa  proxima, pora eu naõ vejo q haja nm paz nem guerra, salvo há aq.q nos prezepios costuma fazer a forn.de Algibarrota. Se serve p.a fazella o decreto da nova forma, entenda V. Ex.ª, q havemos de ter hüa boa campanha, porq o papel está m.t° claro, as ordens bem distribuidas, e os officiais multiplicados; queira D q fassaõ bem o seo papel.         

Smg. D. g.' contribue com hüa aplicaçam digna deste gr.de neg.°, e sobre elle teve José da Serra varias conferencias com o S. Inquiz.°r Ga. .O Dug. Foi p. a caça, e deixou a incumbencia da guerra a Diogo de Mendonça, q de noite e de dia trabalha neste expediente com feliz sucesso; queira D. dar vida ao S.' Marq de Alegrete p.a acabar de instruir o coraçam d'ElRey, e ensinarlhe aq. maximas christans, e Reyais, em q o d.o S.r vai fazendo gandes progressos.

Dizem q viera p. Algarve o corr.° de Barcelona com novas de q Smg.e Cat." ficava com boa saude, e q tinhaõ chegado 7 mil Alemaens: se assim foi deviaõ de reproduzir a 200 por 100: tambem dizem q o Princepe Eugenio passava p.s a mesma p.e com 20 mil homens; assim será se o Mediterraneo se abrir com o mar vermelho, e as suas escumas se converterem em pam de muniçam. Oiço q se torna a falar no Marq de Fron. p.a governar as armas, e naõ sei como deixaõ de fora o S.r Conde de S. Vicente, q no seo valor, e na sua experiencia estaõ bem acreditadas as esperanças p. hü bom governo.

O Conde de Castellomilhor  falou hontem a EIRey, e teve a honra de lhe beijar a mam, e eu tenho isto a bom sinal, porei no tempo, em q elle nos governou, chegou a gloria de Portugal ao mais alto ponto, em q esteve no Reynado d'ElRey D.M.; isto o povo o confessa emq. naõ vê ressuscitado hei Pay, e hü Avô de V. Ex.ª, ou a V. Ex.ª' restituido a esta Corte, q podia bem representar a ambos.

Continue V. Ex.ª' na agradavel caça dos coelhos, q o seo exercicio hé util pello divert., e pella digestam; nella quizera eu, q V. Ex.ª' digerira as cruezas desta carta com aq. benevolencia, con q foi servido honrarme sempre. Eu ando nesta terra como navio em tempestade no meyo do mar; corro ao agrado dos ventos, e á m. das ondas, em q.a luz q espero restituida calme as tempestades, e serene o horror das nuvens. Isto hé, S.r as novas, q posso dar de mim a V. Ex.ª Já V. Ex.ª saberá, q Smg.mandou vir á Sua prez. hü impressor com toda a fabrica necess. p.a ver imprimir, e como faltasse a materia fez o Conde de Tarouca de repente hü gr. de Soneto, q mereceo ser impresso diante de Smg.e. O Sr Marq. de Alegrete me fez m." de mostrarme este Soneto, e no mesmo dia tive eu a oizadia de fazer outro , cuja copia remeto a V. Ex.ª', e a remetera mais cedo, se a minha vergonha se tivera desenganado, de q na cassa dos coelhos tambem se pode ler hu Soneto, q naõ late de falço. Depois de V. Ex.ª' o ler mande deitallo na Ribeira. Fico na obeD.s' de V. Ex.ª' como devo. D.' g. V. Ex.ª' m.s a.' Lx. 24 de Dez.° de 1707.

XV

Ex.mo S.r Nesta carta de V. Ex.ª' de 26 de Dez.° naõ sei qual pondere mais, se a benevolencia, se a descriçam; em V. Ex.ª tudo hé gr., hü entendim. bem feito, hü coraçam bem assentado; e se há algaa coiza, q iguale as direituras do coração de V. Ex.ª saõ as profunD.s" do seo entendim.t°

Tenha V. Ex.ª' felices an., e sejaõ tantos, q chegue V. Ex.ª a ver em mim 50 mil reis de renda em bens da Coroa, e ordens. A minha desgraça fará seguro este hyperbole na vida de V. Ex.ª Receby os tratados, q V. Ex.ª foi servido restituir, ou p.a milhor dizer, q mudaraõ de lugar, por q estando nesta caza naõ mudaõ de dominio. Bem quizera remeter a V. Ex.ª outros papeis, mas naõ hé possivel separallos, porg os tenho confundidos, e mal arrumados; mas brevem.os heide meter em ordem p.a ter a honra de servir em algüa coiza a V. Ex.ª Hü destes dias fui ao Paço, q achei sem luto, e tive lugar de ver a riqueza, e magnificencia dos moveis, e sobretudo das suas belas tapeçarias, e ainda q os vi com admiraçam, naõ deixei de olhar p.a ellas com horror. Na 1ª caza dos bancos estava a armaçam do bom Tobias, de q os pertendentes naõ tiramos boa liçam, porg naq.'e lugar q.- tem Anjo pesca, e q.- naõ te Anjo se afoga. Na 2.' caza vi armado o triunfo da cruz, e tambem aqui os pretendentes naõ achaõ gr." esperança, poríl aq.'a cruz, q p.a huns hé triunfo, p.a outro hé patibulo, e os gr.d" ministros, q triunfaõ com as suas cruzes fazem q nôs gemamos debaxo das nossas.

Desta caza vi a em q El Rey q D' g.de costuma dar audiencia, e divizei hüa armaçam bem tecida, q me disserão, q representava os sete Planetas, e por mais q os seos influxos me pareceraõ doirados, naõ sei se p.a todos saõ beneficios; eu ao menos sempre achei o Sol eclisado, a Lua mingoante, Mercurio entorpecido, Marte prezo, Jupiter fulminante, Venus espuma, e Saturno sombra . Perdoe V. Ex.ª novas, q lhe dou do Paço com moraliD.s melancolica, e cada hü pinta a festa como he vai nella.

A noticia de q a nossa futura R.a sem ainda o ser hade vir em comp.a de outra, q ainda o não hé, tem dado gr.de cuida, mas o caso hé mais digno de comedia q de corte, ao menos se aquella Princeza fizer esta jornada naõ lhe heide chamar Archiduqueza, mas a constante Florinda em busca de seo Armaldo. Tudo isto saõ ficçoens da Corte de Viena p.a entreter a constancia dos Catalaens, e firmar a sua vacilante fidelidaD.se; por q p.a a conducçam daq.duas Princezas pella moda de Allemanha saõ necessarios dois milhoens da nossa moeda, q o Emper. naõ tem, nem pode ter. Naq.'a Corte tem mais vastidam o Augusto, q o opulento. No I.° Paquebot teremos a 1º resoluçam sobre pasar, ou naõ passar o Princepe Eugenio, q hé hoje toda a nossa esperança, e todo o nosso prezidio, porq estamos em tal situaçam, q vivemos do q nossos am. fizerem, e do q nossos inimigos naõ fazem. Fico na obed.s' de V. Ex.ª' como devo. D.. g. a V. Ex.ª' m.' a.' Lx.' 31 de Dez.° de 1707.

XVI

Ex. Snr. Recebo com profundo resp.t° esta carta de 2 de Jan., q V. Ex.ª' me fez m." de escrever; ella me deixa confuzo, e medrozo; porg naõ cabendo em mim a honra q V. Ex.ª' me faz, temo q a fraqueza da minha razam dê comigo em algii precipicio de arrogancia, e de vaid.Os ares de Condexa crearaõ sem duvida em V. Ex.ª' aq.humor, q. os Franceses chamaõ enjouce, e por esta cauza gasta V. Ex.ª' o tempo em dar louvor a hü pobre Soneto, q foi dictado pella dor de mal despachado, e naõ p. regras de bem medido . Enfim seja como V. Ex.ª' quizer, e eu naõ sou mais q o q V. Ex.ª quer, q eu seja.

Hé certo q a reforma do nosso exercito vai tendo pratica, e já o Cons.° de guerra consultou alguns officiaes pquenos, e dizem q os Brigadiers haõ de vir da Gr.' e Bretanha a ensinar os nossos Sar. mores de Batalha, p.a el estes ensine aos outros o como haõ de proceder na campanha e na acçam. O ponto está na gente q ainda naõ aparece. O assento da paga ainda se naõ concluio, porei dizem alguns homens, q naõ se fiaõ na palavra dos ministros sobre a inalteraçam das consignaçoens. Este hé o mayor mal, de q enferma hua Corte m. vezes, ou por hüa economia mal entendida ou por hüa sutileza mal aplicada. A fé publica no Princepe hé o 1º prezidio dos seos Estados; nem hade enganar, nem deixarse enganar; subterfugios de advogado naõ devem ter lugar no alto Cons.' d'ElRey; cazuistas p. tudo tem razam, mais agravaõ o pecado q absolvem. Eu antes quizera junto d'ElRey hü homem sabido ainda q


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