Cartas de José da Cunha Brochado ao Conde de Viana, D.S José de Meneses (1705-1710)

Com grande escandalo ouvimos, q o marq. de Bay recruta, e augmenta as suas tropas: este procedim. hé dezigual, e aleivozo, pois nos quer atacar com ventagem, e com má fé estando nôs com tanta sincerid., e confiança na paz, q com elle temos; pello menos assim me quer parecer. Mandaõ aprestar dois navios p.a o Estado da India, e hé mais hu sumidoiro de gente, e de dinh., porem como naõ há guerra em Portugal naõ faltará q.m se aliste p.a hir merecer na India as Cap.-, e as Comendas. O Duq. ainda naõ veyo do Porto de Muge, aonde em lugar de gente está levantando huas cazas, q lhe cahiraõ. Eu venero m. a pessoa deste gr.de cavalh., mas naõ lhe gabo hua disputa, q teve com José da Serra sobre a nova reforma do Exercito. Hu gr.de min.°, e cavalh." como o Duq.., ainda q.d° convence sempre sahe mal de hüa disputa. Nas materias, q saõ equivocas, e por hüa e outra p.° especiozas a mayor força da razam hade ser a authorid. da pessoa. Em caza do S.r Marq. de Cascaes se abrio jogo há hü pouco de tempo e nesta assemblea assistem m. senhores, q se divertem em varias mezas, e todas as noites há dois sermoens, hü de jogo, em q prega D. Carlos de Menezes e outro de politica, q  faz o Conde de Vimiozo; mas em hü e outro concurso saõ contrarios os efeitos, porq no serman de D. Carlos os q perderaõ sahem arrependidos, e no sermam do Conde os q naõ ganharaõ sahem conformes. Eu naõ sou ouvinte, nem de hü nem de outro, ainda q em ninhu delles tenho q perder . As chuvas vaõ continuando com tanta força, q já naõ ha em q cayaõ, e as novas das gr.des perdas, q ellas tem feito, saõ da mayor lastima, e do mayor temor. Em hua propriedade q tenho, q hé a sege, em q ando experimentei hüa gr.de ruina, porg naõ houve pingoa de agoa, q a naõ tenha inundado por todas as partes, sem falar na libré do meu criado, q hé hü uzufructo, q tambem tenho. Ora meu S.r, sofra V. Ex.ª' hüa carta toda cheya de bacatelas, q q. como V. Ex.ª' está no campo, bem terá visto, q as producçoens da natureza nem todas saõ de igual sustancia, de igual vista, e de igual primor. Fico ás ordens de V. Ex.ª' como devo. D.' G. a V. Ex.ª' m.' a.s Lx.a 28 de Jan.° de 1708

XX

Ex. sr O rigor do tempo tem feito irregular, e incerta a chegada dos Corr., e ainda hoje se naõ deraõ cartas. As q eu espero da saude de V. Ex.ª' saõ p. mim as de mayor valor, e será esta a razam sem duvida porq os elem. se conspiraõ contra ellas.

Esta minha queixa parece m. arrogante, mas naõ será assim, se a medirem pello respeitozo apreço, q faço do favor de V. Ex.ª' em q ponho com desentereçada vaid.. toda a minha fortuna. Tambem me podera queixar de haver V. Ex.ª' imaginado, q eu beijara a mam a El Rey por hua  m. alheya. V. Ex.ª' bem sabe, q os cortezoens taõ negligentes como eu, naõ costumaõ atinar nas estreitezas destas formal. Já contei a V. Ex.ª' a historia daq.la m., de q tirei algüa compaixam do publico. Aquelles senhores obraõ segundo a sua Liga, q hé o socorro reciproco nos intereces particulares. Escreveo D.S Luiz da Cunha, q naq.la Corte rodava hüa gr.' e quantid. de moedas do nosso cunho assim de oiro, como de prata: esta noticia naõ he singular, nem tem facil remedio, porq será necess.° virar o Reyno de sima p.a baxo p.' lhe dar outra forma, e outro modo de comercio. O mal q se introduzio lentam.te em meyo seculo, naõ pode sahir em hüa hora de operaçam. Mandaõ consultar este neg.° no Cons.° da faz.'', como se neste tribunal se soubera este segredo. Os Princepes p.' reformar os abuzos de seos comercios costumaõ levantar juntas p. este conhecim.t° com deputados inform., como V. Ex.ª' terá visto nessas memorias sobre o comercio de França, e emq.t° em Portugal se naõ fizer o mesmo naõ investigaremos o verdad.ro remedio contra a continua saca do nosso dinh. por abundarem os generos, q entraõ, e os q sahem, aquelles, porq os faz trazer o nosso luxo, e estes porq. os naõ deixa sahir a gr.de impoziçam de dir.. Porem a q fim canso a V. Ex.ªcom a leitura de hü discurso, q V. Ex.ª' sabe milhor que eu?

Mandaraõ fazer preces publicas p.a q D. por sua bond. mande parar o dano destas chuvas, e levante a mam pezada, com q parece nos castiga, e q q.do por nossas culpas seja este castigo inevitavel, queremos q caya todo sobre os Authores dellas. Amen. Naõ oiço falar em guerra, nem o tempo está p.a isso. Houve hü Cons.° gr.de de Estado com trez logos, e naõ sei se a rezoluçam sahirá com trez depois. Partio D. Filipe de Souza p.a o Alentejo como deputado protector daq.la Prov.' p.a nella desvastar as malversaçoens, q tem cometido todos os min.", e officiaes de guerra, e faz.da; este socorro hé bem civil e bem economico, e com elle faremos hüa boa campanha. Fructuozo de Padilha com alguns companha. emprende o pagam.'" das tropas, e não duvido q consiga o assento, nem q o execute, se hüa vez se tirar esta administraçam dos vazos, em q está metida. O Conde de Vimiozo disse á S.- Condessa sua m.er, q se morresse seria ella m.t venturoza, porei logo a fariaõ Camareira mor da R.a: este comprim.°' há mais de marido q de galam. Fico sempre á Obed. de V. Ex.ª' como devo. D. G. a pessoa de V. Ex.ª' m.s a.' Lx.' 4 de Fevereiro de 1708.

XXI

Ex.Snr. A desordem do tempo vai continuando a embaraçar a regularidad dos Corr., e neste agradeço a V. Ex.ª carta, q me fez m..de escrever em 30 de Jan. mas como nella naõ vejo, q se repitaõ as queixas da saude de V. Ex.ª, pouco me importaõ os estragos dos dem.e a ruina do mesmo universo. Os outros, q devem mais ao mundo, tomem por sua conta o fazerlhe a oraçam funebre nas suas exequias, e eu q tudo devo a V. Ex.ª direi elogios á sua boa dispoziçam.

Naõ tem chegado novas algüas do mundo, nem de nôs mesmos sabemos nada, sendo já tempo de sabermos algúa coiza. Som.te o P. Semfuegos  mostrou hüa carta de Madrid, em q lhe escrevem, q o Princepe Eugenio chegara a Barcelona com 13 mil homens, e esperava por 7 mil. Esta nova hé m. agradavel, e todos lhe tiraõ o chapeo, ainda q os q tem o entendim. mais duro, e a fé mais aspera, dizem q hé provavel huns e outros o haõ de sentir na bolça como diz o adagio. Hé lastima q os nossos min.os em Londres, e na Haya nos guardem este segredo, e nos naõ dessem p. de hüa rezoluçam tam proveitoza. O Princepe Eugenio depois da retirada de França apenas tinha tempo p.a chegar a Italia, e logo se embarcou em Final, aonde chegou hüa esquadra gr. com 150 navios de transporte e 50 p.a mantim., e passou em trez dias a Barcelona. Este gr. milagre, q fez este P. da Comp.a, he mayor q todos os q em propagaçam do Evang.fez na India S. Fr. X. P. reforçar esta gr. diversam fica M. Lopes de Oliv fazendo hüa gr.pramatica contra o luxo dos vestidos, em q se prohibem todas as guarniçoens, e se permitem som.te os falbalás, a q os nossos na pia deraõ o nome de refegos. Como esta Ley sahir a publico a remeterei a V. Ex.ª', p. q veja, q de tudo nos valemos contra nossos inimigos. Tambem se cuida em fazer os capitaens p. os guardas a cavalo, q chamaõ de corpo, e se tem m. debatido sobre a distinçam das casacas destes officiaes, e aos quais daõ gr. preheminencias na casa d'El Rey em vantagem de todos os mais officiaes. Todos discorrem como se lhes antoja, e como se toda a vida passassem no serv.°, e cortes de outros Princepes, e m. vezes me contaõ coizas de Pariz, e de Londres, q eu folgo m.t° de ouvir com gr.de enveja de naõ haver estado nellas p.a saber isto como elles".Hú destes dias disse a hu destes cortezoens, q entendia q a Lua era habitada, q tambem tinha sua corte, sua nobreza, e seos divertmentos, e elle aceitou com taõ bom coraçam, e taõ generosam.te esta minha parada q me deo a entender, q sabia m.t° bem o estado das coizas da Lua, e eu quazi fiquei crendo, ti elle já tinha estado naq.le novo mundo. Tal hé como isto o fogo da imaginaçam destes senhores, q sem sahirem da esfera do Rocio tem sido cavaleiros em todo o espaço imaginario.


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