2. Noticia e análise de livros

Qualquer que seja o valor intrínseco de cada uma das teses desta secção do congresso, o seu conjunto mostra a existência de duas atitudes fundamentais em relação ao passado histórico-filosófico brasileiro, ou melhor, histórico-cultural: a que visa à explicação e compreensão desse passado, e a que procura repensar com sentido de atualidade algumas manifestações do pensamento pretérito.

A segunda secção teve por objeto: “Metafísica. Filosofia dos valores. Problemas de filosofia estética”.

Delfim Santos (Lisboa), sob o título de “Temática existencial”, expôs algumas considerações sobre o conceito de filosofia, o qual “considerado na sua história” é “o registo do esforço realizado pelo homem para se compreender a si próprio” e pôs em relevo o programa e os temas capitais da filosofia de Heidegger.

Italo Bettarello, em “A Logica Poetica de Vico”, em cuja mente se operou “um dos factos mais profundos da conversão da filologia... em filosofia”, fez uma síntese das “maravilhosas descobertas” do autor da Ciência Nova, especialmente em relação à poesia; e João de Scatimburgo, em “O transcendente e o imanente. Só o absoluto enche a faculdade apetitiva”, sustentou que “transcendência e imanência levam à opção necessária: Deus. Donde a conclusão: só o absoluto (Deus) enche a faculdade apetitiva”.

“Verdade e liberdade” foi o assunto da comunicação de Mário Vieira de Melo, orientado no sentido de que “o problema da verdade, isto é, a questão de saber se pelas forças do seu próprio espírito o homem poderá chegar a alguma espécie de certeza, nos aparece hoje indissoluvelmente ligado ao problema da liberdade”. Ao contrário das descobertas científicas, as “descobertas filosóficas jamais representaram a tomada de posse de um terreno definitivamente conquistado”, de tal sorte que “poderemos sempre dizer sim ou não a pontos de vista filosóficos sem comprometer de modo algum a nossa reputação de seres racionais”. Daqui a aporia da verdade e da liberdade. O autor indicou algumas soluções, terminando por dizer “que uma filosofia que não fosse nem científica, nem religiosa, nem artística e que unisse o princípio da verdade ao da liberdade sem se tornar entretanto uma mistura de ciência e religião, de ciência e arte ou das três ao mesmo tempo, deveria necessariamente ficar suspensa sobre o vazio”, e por admitir que a atividade educativa “poderia constituir o modelo a ser imitado” por uma filosofia que não abdicasse dos dois princípios: a liberdade e a verdade.

Oscar Lorenzo Fernández colocou-se em plano especulativo, na linha de Nicolai Hartmann, com a sua tese “O método metafísico e a noção de categoria”. Julgando que “a evolução da noção de categoria foi, talvez, o mais importante factor-índice da modificação das ciências e da metafísica, desde Kant até os nossos dias”, tomou posição em relação a alguns dos temas mais complexos da ontologia e da epistemologia contemporâneas. A seu ver, o que dá unidade às diversas conceções da metafísica é “uma colocação de problemas diante dos quais o homem é obrigado a situar-se”. Daí a necessidade de uma inicial tomada de posição, que para o autor deve ser de “inversão anselmiana” (credo ut intelligam), “assim chamando a atitude que faz partir o entendimento do ato primário de aceitação metafísica, ao invés de passar do pobre e contingente conhecimento racional para o fundamento metafísico, mediante um salto injustificado por cima das antinomias do racional”. Se na base do processo cognoscitivo está “um ato de certeza, ou seja um ato de admissão, um ato de fé”, impõe-se o método de “inversão anselmiana”, o qual desentranha consequências importantes “tanto pelo aspeto gnosiológico, quanto para a colocação de uma mais ampla problemática metafísica”. Em si mesmo, o ato de que se parte “é um ato de ser, de participação no ser”, “é um ato que me integra nas coisas, que me relaciona com elas e, ao mesmo tempo, com os outros, que me revela a contingência e, pois, que me conduz ante a face velada de Deus”.

Daqui, a afirmação de que no ato de conhecer o momento ontológico é anterior ao momento epistemológico, e, consequentemente, a fundamentação do conhecimento científico como possibilidade ontológica. Com efeito, para o autor, somente esta conceção do conhecimento garante ao conhecimento racional e à ciência a universalidade, a comunicabilidade e a própria possibilidade da participação da mesma realidade. Se o conhecimento científico pretende conhecer o que é e o que há, cada ciência, no entanto, respeita a uma dada região da realidade, cujos factos se enquadram em predeterminadas estruturas, que são as categorias; por isso, “uma ciência não é senão a exploração cognoscitiva de uma determinada área ontológica inscrita num grupo de categorias”.

“Verdade e historicidade (A propósito do tricentenário de René Descartes)” foi o título que Renato Cirell Czerna deu à comunicação em que examinou em geral, e na particularização de Descartes (e de Kant), o contraste entre o conceito de verdade como “pressuposto e condicionante transcendental da atividade filosófica” e “a consciência da historicidade das formas do espírito e a historicidade como problema”; e Vicente Ferreira da Silva Filho, em “O sentido especulativo do pensamento de Dilthey”, exprimiu o parecer de que este filósofo “advoga um temporalismo absoluto que o aproxima, às vezes, da conceção bergsoniana, da qual se distancia entretanto pela sua radical valorização do método transcendental ampliado”.

A terceira secção, “Gnosiologia e Lógica”, foi ocupada com as seguintes comunicações:

“O ser e o modo de ser”, de Carlos da Silva Campos, constituída pela justificação das seguintes teses: 1) O pensamento filosófico, como o pensamento místico e institucional, é teleológico; 2) A ilusão de a priori e da necessidade lógica é produzida pela experiência inevitável de certos objetos e modos de ser; 3) Os modos de ser só existem nas coisas, de que são modos de ser. Não tendo nós experiências deles fora das coisas, ficam impensáveis quando procuramos torná-los, sobre o suporte simbólico, gráfico ou vocal, quando procuramos pensá-los sem as coisas, a relação, a extensão, a qualidade em si; 4) O pensamento concreto é o pensamento que tem como objeto os seres individuais. O pensamento abstrato é o pensamento do modo de ser das coisas; 5) A ciência matemática é puramente simbólica. Os seus símbolos estão no lugar das coisas. Contudo não são coisas reais, de modo que a prova exclusivamente matemática não garante nada quanto à sua correspondência com a realidade das coisas.

Sob o título “Quid est ventas?” ocupou-se Djacir Menezes da “Crítica à resposta dada pelos neopositivistas do Círculo de Viena”, condensando os seus juízos nas seguintes conclusões: 1) O “Círculo de Viena”, negando a legitimidade dos problemas metafísicos, limitou a atividade filosófica ao debate dos problemas epistemológicos e de linguagem científica; 2) A verdade, para os positivistas lógicos, é uma qualidade das proposições, um problema sintático. A análise rigorosamente formal divorciou forma e conteúdo, insulando ainda mais o conhecer e o agir; 3) A verdade é um processo; a veracidade das proposições cresce com o desenvolvimento cultural do homem; 4) A lei científica não é apenas “enunciado”, como admitiu o “Círculo de Viena”, mas os factos enunciados; 5) A noção de adaequatio dá-nos o dado primário, a relação “mente” — “mundo”, ponto de partida indispensável para a análise positiva do problema da verdade.


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