2. Noticia e análise de livros

Pelo tratamento histórico, são modelares as largas páginas dedicadas ao positivismo, cuja introdução o autor reporta à constituição de uma nova burguesia, nos meados do século, com interesses intelectuais ligados ao cultivo das ciências positivas, e cuja assimilação se diversificou na corrente dos positivistas heterodoxos, ou científicos, representados principalmente por Luís Pereira Barreto, na dos ortodoxos, da “Igreja positivista do Brasil” (1881) e do “Apostolado positivista”, de que foram figuras gradas Miguel Lemos e Teixeira Mendes, e na penetração difusa. Com lucidez e segura erudição, mostram estas densas páginas a influência do positivismo, que atinge os nossos dias, no ambiente cultural e na sequência de alguns acontecimentos políticos.

O capítulo final desta parte segunda ocupa-se de “as ideias na última fase do séculos XIX”; nele versa especialmente o malogro do ideal republicano dos positivistas ortodoxos, as raízes e características dos “alemanistas da escola teuto-sergipana”, notadamente, Tablas Barreto, Sílvio Romero e Farias Brito, que no grupo germanista do Recife “ocupou uma posição solitária”.

A parte terceira é dedicada à exposição de “as ideias no século XX”; como nas partes anteriores tem em vista “que as ideias foram sempre no Brasil, principalmente, instrumentos de ação”.

O autor põe em destaque a importância conferida à temática sociológica, de tão largo, variado e notável cultivo no Brasil, acentua com penetrante clareza as ideias mestras que precederam ou acompanharam os grandes acontecimentos políticos, considera que “o pragmatismo de James e, mais tarde, o de John Dewey, o intuicionismo bergsoniano e o neotomismo” são as correntes do pensamento que talvez possam assinalar-se, e configura doutrinalmente a ação e o pensamento de Rui Barbosa, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Graça Aranha, a quem já se atribuiu a intenção de “fundar a filosofia da base de uma experiência brasileira”, Jackson de Figueiredo, Vicente Licínio Cardoso cuja cativante personalidade recordamos com saudade —, Paulo Prado, Oliveira Viana, Azevedo Amaral, etc.

O autor conclui a sua vasta, penetrante e lucidíssima investigação com o juízo de que no Brasil “a filosofia autêntica sempre esteve ligada à ação. Tinha razão pois, a nosso ver, Clovis Beviláqua, quando dizia que se algum dia pudermos alcançar mais significativa produção filosófica, ela não surgirá dos cimos da metafísica”.

Basta este breve sumário para mostrar a importância e o alcance da Contribuição à História das Ideias no Brasil. Como nenhum outro livro, ele discrimina as diversas correntes filosóficas que atingiram o Brasil e, sobretudo, se tornaram história viva nos anelos, nas realizações e nas deceções da consciência brasileira, solicitada sempre, para parafrasear uma frase famosa de Nabuco, mais ou menos atrativamente, pelo “transoceanismo”, de mente posta na cultura forasteira, e pela brasilidade, de coração ligado à terra e gente nativas. Dá-nos, assim, este livro, uma explicação, esclarecida e fundada como nenhuma outra, da formação e das características da cultura brasileira em conexão com as origens portuguesas, com o desenvolvimento da história social do Brasil e com a assimilação das ideias filosóficas ocidentais. Pelo objeto e pelo método, é um livro sem par na bibliografia de língua portuguesa, constituindo a réplica brasileira à temática atualmente vigente na literatura histórico-cultural de grande parte dos países da América Central e do Sul, cujo objeto capital é o estudo da génese, constituição e peculiaridade das respetivas civilizações e culturas e, nalguns, além disto, o problema da fundamentação das filosofias nacionais.

8. Em 1955 apresentou o autor à Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, uma tese de concurso para livre-docente de sociologia* sob o título A Sociologia dos Opúsculos de Augusto Comte, da qual a Revista Filosófica publicou no n.° 17 (Agosto de 1956) o parágrafo relativo às “Fases do pensamento de Comte”.

Brilhantemente defendida e merecidamente aprovada e apreciada pela crítica, entendeu o autor dá-la a público com o título que encima esta notícia, porquanto o título primitivo sugeria um trabalho “de cunho histórico”, quando, de facto, nele compara as primeiras conceções sociológicas de Comte com as do Curso de Filosofia Positiva e “com as correntes atuais da sociologia universal”.

Esta explicação da substituição do título mostra, de per si, que a obra tem por objeto a indagação, nos Opúsculos, das primeiras manifestações das conceções sociológicas fundamentais do Curso de Filosofia Positiva e da respetiva conexão com o pensamento de alguns sociólogos contemporâneos.

O autor dividiu o livro, que assenta em copiosa bibliografia e valoriza com numerosas notas, concisas e, por vezes, de denso saber, em dois capítulos: “Conceito de filosofia positiva. Importância de A. Comte na história da filosofia” e “A sociologia dos Opúsculos de Augusto Comte”.

O título do cap. I indica que, do ambicioso desígnio de Comte, consistente em fundar a reforma intelectual e social, o qual deu ao sistema diversificação e influência proteiformes, o autor considerou somente a “filosofia positiva” expressa no Curso de Filosofia Positiva, cujo conceito precisou, entendendo por “filosofia positiva” “o sistema geral das conceções humanas, encaradas unicamente como coordenadoras dos factos observados”. Daqui, a “filosofia positiva” se caracterizar, pelo abandono da temática metafísica tradicional, pelo “estudo geral dos princípios básicos das ciências e pela unidade “metódica e nunca de objeto ou de matéria”. Daqui, ainda, o sistema comteano não ser empirista, racionalista absoluto, monista ou ainda materialista, visto não admitir “a redução dos fenómenos mais complexos aos mais simples, nem do superior ao inferior, até chegar a uma fórmula única explicativa de todo o determinismo universal”.

A fundamentação destes juízos, a indagação das suas primeiras manifestações nos Opúsculos, designadamente em relação à teoria do conhecimento, ao objeto da psicologia, etc., e a influência de Saint-Simon na gestação de algumas das teses fundamentais da “filosofia positiva” — tema controvertido —, ocupam este capítulo, que termina com a indicação, esquemática, da “filosofia positiva” na história da filosofia, assim afirmativa como negativamente, pois “quase todas as novas criações do século passado tiveram de opinar a seu respeito: pragmatismo, fenomenologia, positivismo lógico, filosofia das ciências, behaviorismo e a própria corrente que admite a dicotomia entre ciências da natureza e ciências do espírito”.

O segundo capítulo, extenso, como cumpria, tem por objeto o tema que o autor se propôs tratar, ou seja a indagação, nos Opúsculos, das raízes das conceções sociológicas de Comte e da sua influência no pensamento sociológico ulterior.

Nenhum estudioso de Comte deixou de considerar os escritos juvenis do filósofo, neles procurando a génese de algumas conceções comteanas, mas o autor reivindica — e justifica-o — para o seu estudo o exame completo do tema.


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