2. Noticia e análise de livros

Com a tese “Juízos analíticos e juízos sintéticos” apresentou Euryalo Cannabrava uma exposição histórico-crítica da distinção dos dois juízos e os fundamentos da sua própria opinião, assim resumida: “Os juízos analíticos seriam precisamente aqueles que resultam de operações reversíveis sobre estruturas cognitivas, enquanto os juízos sintéticos seriam consequência da apreensão de estruturas percetivas por intermédio dos processos irreversíveis do pensamento”. O mesmo ilustre lógico, noutra comunicação intitulada “Dois aspetos da teoria do conhecimento”, de grande densidade de pensamento e de claro saber, ocupou-se do conhecimento matemático-formal e do conhecimento genético-funcional, podendo considerar-se os seguintes períodos como síntese dos seus juízos: “Com a incorporação da psicologia, da história e da sociologia ao domínio científico, vai-se tornando legítimo admitir a possibilidade do conhecimento genético-funcional. A consequência dessa admissão será a elaboração de um novo método (genético-funcional) ao lado do método matemático-formal das ciências puras”.

Jessy Santos, nutrido e orientado pela filosofia de Bergson, ocupou-se na comunicação que intitulou “Evolução dos processos vitais e formas do conhecimento” de “o psíquico e o somático”, de “a prioridade da razão”, “da “inteligência e génio”, da “intuição e inteligência” e da “perceção supra-sensorial”, para concluir que à medida que a ciência amplia a explicação fenoménica das coisas, ela mesma se apercebe que no fundo dos fenómenos existe a transcendência do imponderável e que tem mais realidade do que a matéria”.

Em “A filosofia e a denominação das línguas” cogitou Herbert Parentes Fortes as razões que levaram os “povos” a dar uni nome às diferentes linguagens, ou seja, “o quarteto sinonímico da história: povo, homem, terra e língua”, em ordem a justificar que, “como a historicidade humana continua criando história, é justo e digno quererem as nações novas do nosso continente” dar nome e denominação às línguas que falam.

Em “A evolução conceituai da ciência em face da transformação das formas lógicas do pensamento”, ocupou-se Mário Lins da diversidade dos fundamentos do pensamento lógico-científico aristotélico e do pensamento lógico-científico atual, concluindo da sua informada e penetrante exposição que: “a) há uma inter-relação funcional entre as formas lógicas do pensamento de urna época e a estrutura da problemática da ciência nela vigente; b) a lógica aristotélica, sendo uma lógica de classes estáticas (absolutas e imutáveis), impossibilitava-nos de apanhar toda a complexidade do real; c) a moderna lógica, ante a qual a aristotélica é um caso limite, tendo funcionalizado a categoria da 'substância', abriu-nos maiores perspetivas para a integração dos vários aspetos da realidade; d) a teoria do campo, que na ciência é o suporte da nova lógica, constituiu uma poderosa tentativa de superação da velha teoria das classes, permitindo-nos não só urna funcionalização da sua obra ontológica, como também uma estrutura conceituai mais unitária; e) desenvolver a estrutura dessa nova lógica conceituai fica sendo uma das maiores tarefas que temos a realizar no sentido de integrar as várias ciências na sua unidade geral”.

Sob o título ambicioso de “Fondamenti di una nuova teoria della conoscenza”, Romano Galeffi deu largas à convicção de que “ia considerazione per la quale chiunque pensi mostra un minimo di fede nel pensiero, possa costituire un valido mezzo per rendere fiduccia nella ricerca filosofica”.

A quarta secção reuniu as comunicações referentes à “História da filosofia e filosofia da cultura”. Foram as seguintes:

“Noção de análise na filosofia grega”, de Alexandre Correia, de conclusão análoga à de Tannery.

“Considerações à margem da filosofia de Blondel”, com as quais Alcântara Silveira procurou justificar que “a filosofia de Blondel, se não é a mais conveniente para o brasileiro é, pelo menos, uma das que mais lhe convém”.

Em “O problema de valor na filosofia económica”, Arnóbio Graça, considerando que a classificação das teorias do valor em subjetivas e objetivas carecia de base científica, propôs a seguinte classificação: teorias do valor-utilidade, do valor-utilidade final, do valor-trabalho, do valor-oferta e procura, do valor estimativo, do valor-custo de produção e do valor-custo de reprodução.

Em “Il problema delia libertà e Ia cultura d'oggi”, Edoardo Bizzarri exprimiu o convencimento de que o objetivo atual da cultura deve consistir na “restaurazione dei concetto di cultura come realtà unitaria, come esperienza sempre viva e fondamentale forma di conoscenza, come patrimonio attivo a disposizione di tutti gli uomini” e na “restaurazione dei concetto dell'uomo come creatura storica che può dare a se medesimo, per libera volontà, la sua propria forma, assommando e organizzando nel proprio spirituale equilibrio l'esperienza naturale e quella storica, entrambe scala ai conoscimento, aio sviluppo e all'affermazione di se stesso”.

Com as “Anmerkungen zur Geschichet der Worte: Colere und Cultura”, apresentou José António Benton uma erudita investigação histórico-filológica; e Ivan Lins, em “Aspetos do pensamento de Tomás Jefferson”, expôs a posição do estadista americano principalmente em relação a alguns temas ético-religiosos.

Com o título “Sobre as relações de raças”, deu a conhecer o Prof. L. A. Costa Pinto os documentos que a comissão da UNESCO, a que pertence, elaborou acerca da definição de raça e das relações de raças, nos quais sobressai a “declaração sobre os aspetos sociológicos das relações de raças” lida por este professor em 13 de Dezembro de 1949 na reunião do Comité de Peritos sobre Relações de Raças, da UNESCO.

Luís Pinto Ferreira apresentou uma comunicação sobre “Samuel Alexander e a renovação científica da filosofia”, na qual pôs em relevo alguns temas do Space Time and Deity do insigne pensador inglês; e Tito Lívio Ferreira, em “A problemática da filosofia na linha do pensamento contemporâneo”, fez algumas considerações sobre a influência da consciência histórica na crise atual do conceito da filosofia e da sua história.

Tal é, em conciso resumo, o sumário das conferências, teses e comunicações publicadas nos dois volumes do Primeiro Congresso Brasileiro de Filosofia, cuja significação histórico-cultural foi salientada na sessão de encerramento, que teve lugar no dia 26 de Março de 1950. Não participaram no congresso algumas figuras representativas da cultura brasileira, notadamente no que respeito à sociologia, à pedagogia, à psicologia, pura e aplicada, à história da filosofia, à história da cultura brasileira e à filosofia neoescolástica; não obstante os trabalhos apresentados constituem o expoente significativo das preocupações atuais e principalmente das tendências dominantes nos mais jovens e promissores estudiosos da filosofia.


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