III. A educação em Atenas

• Era integral, isto é, a um tempo, física e espiritual;

• A educação espiritual compreendia a educação intelectual, estética e moral;

• A educação não era utilitária nem a escola visava à formação profissional.

Se se quiser sintetizar numa só característica pode dizer-se que era liberal, entendendo por tal a educação acentuadamente intelectual, digna de homens livres e própria para formar homens livres, isto é, seres capazes de se autodeterminarem e tomarem decisões, libertos do trabalho manual, ao qual se não reconhecia valor formativo da personalidade.

Pelo meado do século V a situação de Atenas modificou-se profundamente. Vitoriosa na guerra contra a Pérsia, na qual estivera à cabeça da independência helénica, Atenas alcançou a hegemonia no campo político, económico e intelectual. Designa-se comummente este período de «Século de Péricles», singularizando-o o facto do génio helénico ter atingido por então o ponto mais alto da sua atividade criadora, de influência decisiva não só na cultura ulterior, como na cultura europeia, pois como pensa Werner Jaeger, é neste século V a.C. que «tem a sua origem a ideia ocidental de cultura».

O plano educativo tradicional tornou-se insuficiente, tanto mais que o regime da democracia direta, por então o regime político ateniense, assente na intervenção direta dos cidadãos e na competição das ideias e das correntes de interesses, deu ensejo ao espírito iluminista, isto é, ao convencimento de que as «luzes» da razão podem esclarecer e guiar os diversos aspetos da vida social.

O exemplo frequente das reuniões públicas na ágora, nas assembleias populares e nos tribunais, mostrava a importância da dialética e da cultura geral, como meios para afirmar a capacidade pessoal e para alcançar nas votações o triunfo de uma opinião. Daqui, a necessidade de uma educação que desenvolvesse os dotes oratórios e dialéticos e ministrasse, ao mesmo tempo, noções gerais de história, de economia, de literatura, de direito, isto é, dos conhecimentos mais úteis à carreira política, que, como disse Péricles, estava aberta a todos os talentos. Consequentemente, impôs-se a aprendizagem de conhecimentos de teor ético-social, que formalmente preparassem o espírito para o êxito nas discussões e materialmente o habilitassem com noções gerais ao desempenho das atividades públicas. A nova situação urbana e político-social, novo ensino.

A sofística foi a expressão cultural e pedagógica destas exigências, mas antes de lhe notarmos as características fundamentais cumpre atentar no que este período apresenta de particular sob o aspeto pedagógico.

Três acontecimentos o singularizam:

• Novo plano de estudos;

• Aparecimento de novos mestres;

• Desenvolvimento da reflexão acerca dos problemas educativos.

Paul Girard mostrou que o curso normal do ensino, pelo século IV a.C., tinha o seguinte desenvolvimento:

• Primeiro período, dos 6 aos 14 anos: leitura, música, ginástica e desenho;

• Segundo período, dos 14 aos 18 anos, aproximadamente: gramática, aritmética, geometria, equitação e arte militar;

• Terceiro período, dos 18 aos 20 anos, designado vulgarmente de período da efebia: instrução geral sob a direção de mestres efébios. A efebia constituía uma categoria especial de cidadãos, sob a direção do Estado, com direitos e deveres próprios, e destinada principalmente às obrigações militares. Terminados os dois anos de efebia, o mancebo que desejava continuar o estudo, procurava um mestre ou passava a frequentar a escola de um filósofo, ou a especializada de um médico.

Entre as escolas filosóficas, que eram privadas e obedeciam à orientação e preferência do fundador, tornaram-se particularmente notáveis a de Platão, designada de Academia, por estar situada no jardim de Academos, e a de Aristóteles, conhecida pelo Liceu; e das escolas de Medicina ficaram famosas as escolas de Cnide e de Cós, que foram precedidas pelas escolas de Crotona e de Cirene.

São escassos os informes acerca do tempo escolar durante o ano e nas horas do dia. Havia feriados e, além deles, dias de festas escolares especiais, como as hermeia e museia.

Designam-se de sofistas os novos mestres que no decurso da segunda metade do século V a.C. ministraram um ensino que veio ao encontro das novas exigências culturais, o qual assentava fundamentalmente no estudo das palavras, entendido não no puro sentido formal mas no real, isto é, no que as palavras significam.

O termo «sofista» aplica-se hoje a quem encobre deliberadamente o erro com a aparência da verdade, e os sofistas gregos ficaram na história, depois de Aristófanes e de Platão, sob a acusação de terem subvertido os valores tradicionais e de terem pervertido a educação. Na época do seu aparecimento, porém, por «sofista» entendia-se um mestre de cultura geral, em cujo conceito entrava a virtude, isto é, a arte de viver, e a retórica e a dialética, ou seja a arte de persuadir e de refutar. Normalmente era uma espécie de preceptor que vivia do ofício de ensinar, sem local fixo, e com remuneração ajustada, e cujo ensino durava, em regra, ao que se supõe, três ou quatro anos.

Não há na sociedade contemporânea uma profissão correspondente à do sofista na época de Sócrates; pode, no entanto, imaginar-se o que foi, se, como sugeriu Gomperz em Os Pensadores Gregos, associarmos à atual função do jornalista de artigo de fundo a do professor de uma universidade livre, isto é, a orientação na política e na conduta social à transmissão de conhecimentos gerais e sem intenção de formar o espírito científico. Vivendo da profissão docente, os sofistas assinalam como que o aparecimento dos primeiros mestres de ensino superior, se por tal se entender um ensino cujo conteúdo ia além do exíguo plano acima indicado.

Os sofistas provinham de todo o mundo grego e afluíam a Atenas, sem, em geral, aí se fixarem, oferecendo o seu saber e a sua arte de ensinar a quem lhes pagava, pois foram os primeiros a receber remuneração pelo ensino. O seu objetivo capital era o cultivo do espírito, mas a matéria que ensinavam não foi a mesma, visto cada um ensinar a disciplina que melhor sabia ou o assunto que ajustava com os alunos. Por isso, a par do ensino mais frequente da gramática, da eloquência, da retórica, da poesia e da política, houve mestres sofistas que chamaram a atenção dos alunos para os conhecimentos científicos e para os problemas filosóficos, especialmente os relativos à validade do pensamento e dos valores.

A sofística não foi, pois, um movimento homogéneo e uniforme. Constituíram-na fundamentalmente indivíduos com mentalidade e conceções diversas; sem embargo, porém, pode dizer-se que apresentam entre si de comum, a crítica negativa do passado, a confiança no poder da razão e da palavra, e a conceção do ensino como preparação do sucesso na atividade política. Os mais famosos sofistas foram Protágoras, de Abdera, o único, porventura, por quem Platão teve algum respeito e que foi o primeiro a ensinar que não há questão acerca da qual se não possa sustentar o pro e o contra, Górgias de Leontini, na Sicília, autor do Tratado do não-ser, notado pela virtuosidade oratória e subtileza erística, e que faleceu c. 390 a.C., Hípias, enciclopédico e orador, e Pródico, especialista em estudos de linguística.


?>
Vamos corrigir esse problema