III. A educação em Atenas

Cícero chamou a Isócrates o «pai do Humanismo». Com efeito, é no seu ensino que radica a educação letrada e o ideal do orador, vir bonus, dicendi peritus, que na época helenística nutriu «inumeráveis pedagogos e letrados, animados de nobre idealismo, moralistas ingénuos, amorosos das belas frases, disertos e volúveis, aos quais a Antiguidade clássica deve, em qualidades e defeitos, todo o essencial da sua tradição cultural» (H.I. Marrou).

Foi este ideal educativo que, mediante Quintiliano, Plutarco e Cícero, principalmente, informou ainda o humanismo letrado e erudito da Renascença, e que Isócrates pensou e ensinou em oposição ao ideal educativo de Platão, de estrutura filosófica.

6. Antístenes e Aristipo. O ideal do sages

O conceito de autodomínio, que está na base da reflexão e do ensino de Sócrates, converteu-se, como diz Werner Jaeger, «na ideia central da nossa cultura ética». Na sua desenvolução, especificou-se em vários problemas, dos quais importa considerar os dois que mais diretamente se relacionam com a história dos ideais educativos: o do ideal do sages e o da determinação do objeto supremo da educação. O primeiro, está na base da reflexão de Aristipo (1- c. 360 a.C.), fundador da escola Cirenaica (em Cirene), e de Antístenes (n. em Atenas, c. 450 a.C.), fundador da escola Cínica, assim chamada por ter por sede um ginásio ateniense situado em Cinosarge; o segundo, orientou a reflexão de Platão.

As duas escolas, Cínica e Cirenaica, de filiação socrática, como que se contrapunham. Os Cínicos reportavam o fundamento da vida ideal do sages à virtude como valor supremo, do qual deduziam o valor ético da renúncia e da indiferença pelos artifícios e pretensos benefícios da civilização. Levaram, por isso, à extrema consequência, a oposição da Natureza às convenções sociais, entendendo por Natureza o contrário dos produtos da Civilização e da Cultura. As excentricidades e ditos de Diógenes, o Cínico, são expressão deste ideal de vida.

Os Cirenaicos, pelo contrário, exaltavam como valor supremo o hedonismo, isto é, o pleno domínio e gozo do prazer na sua imediatidade e duração.

As duas escolas têm de comum a reflexão sobre o sentido da libertação da consciência individual, designadamente dos vínculos político-sociais, e o esforço para a alcançarem mediante a educação e a disciplina do próprio pensamento.

Com esta orientação individualista, por um lado, significam o começo da desagregação do sentimento político da polis, que nutriu os ideais educativos helénicos, e por outro, anunciam o ideal da interiorização da educação como ascese, de capital importância na história da educação cristã.

7. Platão. Suas conceções pedagógicas mais características

Dos discípulos diretos de Sócrates é Platão o que mais importa considerar sob o ponto de vista histórico-pedagógico, pela originalidade com que pensou um sistema ético-social de educação, que, conforme ao ensinamento socrático, foi pedir à razão o princípio unificador e orientador dos elementos constitutivos da personalidade e da conduta.

O genial filósofo, que descendia de família nobre, nasceu em Atenas, onde passou a maior parte da sua vida (427-347 a.C.). Pedagogicamente, o seu nome está vinculado à fundação da Academia e à conceção de um sistema educativo de finalidade filosófico-política. A Academia, estabelecida em 387 a.C. no jardim de Academos, em Atenas, foi a um tempo, escola de filosofia e como que seminário de preparação política, o que estava na lógica das preocupações profundas de Platão. As manifestações rituais alternavam com as discussões filosóficas, num ambiente de camaradagem do mestre e dos discípulos que foram numerosos, assim na filosofia como na política, a todos, porém, sobrelevando Aristóteles.

A Academia sobreviveu ao seu fundador cerca de um milénio, pois findou em 529 da nossa era, quando o imperador Justiniano mandou encerrar as escolas de Atenas.

A obra de Platão, que chegou até nós integralmente, possui a juventude perene do espírito que vive para a reflexão e incessantemente se remoça com o alento de novos problemas; nela se conjugam admiravelmente a originalidade e alacridade do pensamento com o encanto da expressão literária.

As suas conceções pedagógicas mantêm íntima correlação com a sua filosofia e, em particular, com a sua conceção ético-política. O filósofo, o político, o moralista e o educador compenetram-se mútua e estruturalmente, porque o objeto da Filosofia, na mente de Platão, é a um tempo tema explicativo de mediação e fundamento da conduta, dado a moral, a educação e a política terem a sua raiz comum no saber autêntico, a Sophia. Pela primeira vez na história da cultura, Platão concebeu uma teoria pedagógica, fundada e integrada num sistema filosófico: a organização educativa e o plano de estudos são estabelecidos em conexão com a organização política; esta, por seu turno, é fundada num ideal ético, o qual, por sua vez se funda numa conceção metafísica da realidade, ou seja a teoria das ideias. A Pedagogia não se explica sem a Filosofia, pelo que se torna necessário conhecer o fundamento da filosofia platónica.

Partindo da conceção socrática de que saber é definir, que a definição se exprime por conceitos e que, por conseguinte, somente é objeto da ciência o que é geral, Platão conduziu as suas reflexões lógicas e epistemológicas em ordem a fundamentar a existência de uma autêntica e perfeita realidade, as ideias, transcendentes ao mundo empírico. No sentido platónico, as ideias não têm relação com o idear enquanto processo psicológico nem a sua existência depende da atividade ideativa ou da cogitação. São «modelos» ou «formas» que existem e persistem íntegras, isto é, não sujeitas à alteração e mudança, e que a mente conhece na própria realidade, mediante as quais se compreende e explica a realidade percetível pelos sentidos, pois as coisas sensíveis, mutáveis e percetíveis, não têm em si e por si a sua explicação. Jamais vemos o círculo perfeito ou a ação absolutamente boa, mas sem a ideia pura do círculo ou da bondade não se compreendem nem explicam os círculos e as ações bondosas que apreendemos na perceção sensível.

Consequentemente, o saber autêntico não é o saber das aparências e mudanças que os sentidos apreendem; é o saber essencial e fundamental das ideias. Por isso, a marcha do conhecimento traduz-se por uma ascensão, na qual a perceção sensível dos objetos, que reflete o mundo das aparências, é substituída pela intuição conceptual das verdadeiras realidades, que são as ideias. A alegoria da caverna do Livro VII da República, exprime esta ascensão da mente, que é ao mesmo tempo uma libertação, e cujos graus são: a eikasia, ou perceção sensível; a pistis, ou crença; a dianoia, ou discurso reflexivo; e finalmente a noesis, ou contemplação da pura inteligibilidade das Ideias.

Com a teoria das ideias, Platão não estabeleceu somente a existência de um mundo ideal suprassensível e eterno, cuja imutabilidade e perfeição constituem o objeto supremo da contemplação dialética, pois com ela explicava também a atividade educativa e purificadora do pensamento, da vontade e da ação, em virtude da conexão que, após Sócrates, reconhecia existir entre o conhecimento exato e a ação boa. As Ideias apresentam-se-lhe, assim, não só como objeto supremo da contemplação dialética, a qual constitui o ponto mais alto da atividade cognoscente, mas ainda como raiz da moralidade e fundamento último da educação. Por isso, a par da especulação metafísica teve Platão, e em alto grau, a ambição de transformar a vida social e política em função da sua filosofia. Desenvolvendo a noção tradicional helénica de que o Estado é a comunidade por excelência, pois só nele o indivíduo realiza plenamente o seu destino social, Platão foi levado a considerar o Estado como pressuposto necessário do desenvolvimento moral dos indivíduos e condição da realização da sua felicidade. A seu ver, pois, o indivíduo deve ser formado no Estado, pelo Estado e para o Estado, e porque, no desenvolvimento da conceção socrática da identificação da Virtude e do Saber — a maldade é produto da ignorância, pois ninguém pratica o mal voluntariamente, dizia Sócrates —, considerou a Política como ciência que tem por objeto o Bem, Platão não hesitou em sustentar que a vida da comunidade deve ser dirigida por uma aristocracia de homens esclarecidos, ou mais propriamente, que os reis devem tornar-se filósofos e os Governos confiados a filósofos. O Estado afirma a sua essência educando, e, vice-versa, a educação deve formar os cidadãos aptos a realizarem na vida do Estado as funções correspondentes à sua vocação e capacidades.


?>
Vamos corrigir esse problema