Manuel Fernandes Tomás, jurisconsulto

Daqui, “a necessidade de circunspeção e crítica, quando se tratar de julgar sobre tombos ou verdadeiramente sobre as certidões extraídas deles” (§ 122) e, além disto, o dever de corrigir a sua elaboração com medidas adequadas e de sustar certas práticas que redundavam em prejuízo dos colonos e da agricultura. Assim, para obviar à arbitrariedade dos louvados e medidores, propunha que estes fossem substituídos por peritos, no caso um piloto, isto é, um indivíduo “com conhecimentos precisos para regular praticamente e por um modo uniforme as demarcações e medições dos terrenos, qualquer que seja sua configuração e superfície” (§ 113); e no tocante aos censos, foros e pensões cumpria, por um lado, sustar o parcelamento excessivo da propriedade pelos herdeiros, e por outro coibir a prática das sentenças de destrinça, “que obrigam um só como cabeça dos muitos foreiros a pagar por todos, de quem cobra depois a respetiva parte” (§ 117), e repugnam “com os princípios da Justiça e da Razão”, por “sujeitarem um só no Juízo do Tombo a que pague por todos e declararem solidária (para assim dizer) uma obrigação que nasce de um direito dividido entre muitos” (§ 118).

Pela sua natureza, “um tombo não é mais que uma lembrança do que se fez com o fim de ficar constando autenticamente para o futuro; e em consequência tudo quanto ali se acha escrito, não merece maior crédito depois disso do que tinha antes de lá se escrever. Se um auto, portanto, foi mal feito, uma medição errada, uma declaração contra a verdade — auto, medição e declaração ficam sempre eternamente mal feitos, errados e mentirosos, como eram antes de se lançarem no Tombo” (§ 123). Sendo assim, “é preciso convir, com efeito, que dar aos tombos a natureza de processo público, e fazer o seu uso privativo de uma das partes só, não deixa de ser irregularidade, ou antes incoerência notável” (§ 121).

Com a notável justificação da necessidade de submeter os tombos e documentos antigos ao tribunal da crítica histórica e diplomática, e com a delimitação das respetivas fronteiras jurídicas, conclui a parte por assim dizer genérica do Discurso; outra se lhe sucede, mais breve e compendiosa, particularmente ligada à demanda de Vila Nova de Monsarros e a alguns dos argumentos de Lobão contra o Papel sedicioso, isto é, como já dissemos, os Apontamentos para defeza dos Lavradores do Couto de Villa nova de Monsarros, contra as extorsões, que delles se pertendem em nome do Reverendissimo Cabido da Sé de Coimbra Donataria do mesmo Couto (1805).

A contestação de Fernandes Tomás assenta quase totalmente nos princípios gerais que havia exposto, e embora não adite, em geral, novos raciocínios, ela tem contudo o mérito de subministrar compendiosamente o contraste das conceções de Lobão. Assim, contra este, que excetuara as corporações religiosas, Fernandes Tomás sustenta com o Papel sedicioso que “as doações régias para terem execução devem-se apresentar confirmadas especialmente de rei a rei desde o rei doador até o atual”, isto é, confirmações gerais, e que “o donatário não recebe pela régia doação confirmada mais direitos do que esses individuais, de que o rei doador estava de posse ao tempo da doação”, nem “pode exigir outros encargos, ou pensões, que não sejam as expressadas pelo foral ou régia doação. Igualmente não pode mudar, alterar, ou converter em outros encargos esses encargos primitivos do foral ou da doação”, nem tão-pouco “os maninhos, montados, e campos incultos não se entendem doados sem expressíssima menção deles na doação; e tais maninhos, montados ou campos incultos são reputados pertencerem ao povo, e constituírem baldios e logradouros do mesmo povo”.

A estas teses sobre a validade e limites das doações régias sucede o grupo das relativas aos Tombos. As três primeiras estabelecem que cumpre suspeitar da autenticidade e veracidade dos cartulários e tombos de corporações religiosas, afirmando a quarta de que eles e “outros cadernos de semelhante natureza fazem prova contra as corporações que os fizeram, mas nunca contra os caseiros, nem contra os que não fizeram tais livros ou cadernos”. A quinta considera que “a ação dos tombos é a mesma que os romanos chamam Actio finium regundorum; ela não tem outro objeto mais do que declarar os limites pertencentes ao campo de cada um dos interessados, conservar os marcos nos limites em que devem existir, e restituir aos antigos possuidores as terras que se acham usurpadas por aqueles a quem não pertencem na antiga medição”. Nestes termos, “para este fim devem-se consultar os antigos monumentos, livros censuais, tombos e medição de emprazamentos, e à vista de tudo isto deve o Juiz do tombo fazer medir o terreno, sem que fique em seu arbítrio mudar em cousa alguma a natureza desta ação”.

As teses 11 e 12 deduzem duas consequências da natureza jurídica do tombamento, a saber, que como a ação deste “é só própria para a restituição e demarcação dos limites dos campos, não tem efeito algum para o reconhecimento das pensões. A obrigação do enfiteuta contrai-se pelo foral ou pelo emprazamento primário e original. E quem reconhece como obrigações do foral ou do emprazamento encargos que se não acham no dito foral ou contrato de emprazamento, contrai ou reconhece obrigação sem causa, que por esse mesmo título de ser sem causa é nula por Direito; e que a confissão que faz no tombo o enfiteuta das obrigações e pensões diversas do foral ou do emprazamento originário, ainda feita em Juízo e firmada com juramento, é nula, porque feita contra a evidência do facto do foral ou do contrato enfitêutico, que sempre é distinto e separado do tombo...” Era assim, e nem podia ser de outro modo, porque (tese 15) “a justa medição, confrontação e demarcação das terras são as operações essenciais do tombamento, e não a enumeração e reconhecimento de pensões e encargos; porque a obrigação dos encargos contrai-se pelo foral ou pelo contrato do emprazamento celebrado entre o enfiteuta e o senhorio legítimo da terra emprazada”, e ainda porque (tese 14) “entre nós a súplica ao Desembargo do Paço para se proceder ao tombamento só trata de que as terras sejam confrontadas, medidas e demarcadas, e a provisão que se concede para o tombamento manda produzir os tombos antigos, as escrituras e documentos originais ou autênticos, para que o Juiz do Tombo à vista destes títulos possa fazer proceder a uma justa medição, confrontação e demarcação das terras”.

Toda a argumentação do Papel sedicioso tendia ao estabelecimento desta tese capital (13): “o senhorio que exige obrigações tem necessidade de exibir documentos autênticos, em que se funda a sua intenção; e aquele que recusar pagar tem direito de pedir que seja apresentado o título autêntico que o constitui devedor”.

Com esta tese, nuclear, sobre a qual assentava toda a construção das Observações e se revocava em dúvida a legitimidade de certos foros, censos e pensões, se cerra a questão de Direito; no entanto, Fernandes Tomás sustenta ainda mais duas teses (16 e 17) relativas à ordenação dos tombos pelo regimento manuelino de 27 de Setembro de 1514, com o qual se conformaram as Constituições do Bispado de Coimbra de 1519, que foi renovado “por el-rei D. Sebastião por alvará de 5 de Fevereiro de 1578, por el-rei D. João V por alvará de 15 de Julho de 1744, e pelo Senhor D. José por alvará de 23 de Julho de 1766”.


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