4. Anotações ao Tratado da Sphera

Cólofon final:

Venetiis iin aedibus Luceantonii Junte Florentini anno Domini M.D.XXXI. Mense Ianuario.        

Desta famosa edição, cuja minuciosa descrição se pode ler na memória de Baldassare Boncopagni, Della vita e delle opere di Gherardo Cremonense, existem em Portugal exemplares, designadamente nas bibliotecas: Nacional de Lisboa, da Ajuda e do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra. Este último exemplar é bem possível que seja o que no século XVI se guardava na livraria do Mosteiro de Santa Cruz.  

Foi o texto desta valiosíssima e hoje rara edição, cujo sumário de matérias consta do respetivo frontispício, que seguimos como possível fonte de Pedro Nunes. Decidiu-nos a adotá-la a concordância dos textos latino e português e a comodidade de se encontrarem reunidos no mesmo volume o Tractatus de Sphaera e as Theoricae planetarum novae, de Jorge Purbáquio.        

c) Determinado o texto que adotámos como base da tradução de Pedro Nunes, e que, como tal, dispusemos no rodapé das páginas respetivas, como fonte e explicação de um ou outro passo menos claro, resta-nos advertir que a transcrição latina reproduz fielmente o texto da citada edição ide 1531, salvo as seguintes modificações: 

1ª A pontuação, muito irregular, foi corrigida em alguns passos;

 2.ª O til em sílaba interior foi desdobrado em n;            

3.ª A mesma abreviatura, no final das palavras, foi desdobrada em n ou m, conforme os casos;             

4.ª A irregularidade no emprego de u e v foi corrigida, escrevendo-se u nas minúsculas e V nas maiúsculas.    

A revisão do texto latino foi feita pelo académico Sr. Francisco Rebelo Gonçalves.        

1ª p. 8, à cota marginal: Para esclarecimento desta cota, especialmente das palavras “nam falecem autores”, transcrevemos o seguinte passo da glosa ao texto de Sacrobosco, na citada edição de Luca-Antonio Giunta, de 1531, fol. 9r:

“Notandum secundo quod huiusmodi ordo sphzerarum iam recitatus est secundum Ptolemmum et caldeorum atque quasi omnium modernorum sententiam. Diuus autem Nato, et aegyptii et aliqui moderni ut yber Abbraham Auenezre, et aliqui alli alium ordinem sphmris, et maxime sphzeris planetarum apposuerunt, uoluerunt namque isti quod spluera solis imediate supra sphaeram lunae collocaretur taliter quam a supremo sphaerarum planetarum incipiendo, primo posuerunt sphaeram saturni, deinde sphaeram Iouis, deinde sphaeram martis, deinde sphraem ueneris, delude sphmram mercurii, deinde sphraem solis, et ultimo sphaeram lunae (...)”.

2.a p. 9, à cota marginal: Pode comparar-se esta anotação de Pedro Nunes com os seguintes passos dos Commentarii in astronomicum loannis de Sacro bosco, de Iacobus Faber Stapulensis (Jacques Lefèvre,d'Etaples), in citada edição de Veneza de 1531, do Spherae Tractatus, fol. 128v:

“13. Nec adeo obtuse concipiendum est, quasi duo motus in subiectis, inferioribusque sphanis sint ut uerbi causa, in sphmra solis duo, quorum altero de oriente ad occasum rapiatur in orientem recurrendo: altero uero e diuerso facto, ab occidente completa reuolutione recurrat in occidentem, nam horum motuum primo per alterum, atque per accidens, (perinde ac sedens in naue) mouetur, secundo uero per se. estque horum motuum primus in primo mobili, secundus autem in unaquaque subiectarum sphraerum proprius atque peculiaris, nec hos motus difficile imaginabere si sphaerulam, pilamque uitream agua opleueris, quam ita te uersus agites ut aqua aduersum te uertigines ducat, mox sensim uitream pilam ad oppositum gyrando circumuoluas, et intuebere contentam aguam ad pila motum pariter moueri, pariter et contranitendo uertigenes ducere. Sed has quidem per se, illum autem pilae motum per alterum ducit, ergo per lucentem uitream pilam primum mobile, et per intraclusum humorem subiectas contentas contranitentesque sphaéras prmsentes animo effingito.

“14. Negue awquali tempore suos circulos absoluunt omnes, sed octaua sphaera (ut Ptolomaeo uisum est) in centum anuis contranitens gradum unum perficit, quo fieret cum omnis circulis.360. sit partium, ut unam octaua sphaera circulationem.36. milibus annorum perficeret, dueto enim annorum centenario per trecentas sexaginta partes (quas gradus et numerum circuli dicimus) surgit numerus.36. milium annorum. Et sphaera saturni suum circulum ambit in.30. annis sphaera iouis suum in.12. sphaera martis suum in duobus sphaera solis suum in.365. diebus et sex horis. hoc est in uno armo et quadrante diei. Veneris et Mercurii consimiliter. et Luna in.28. diebus fere eundem signiferum circulum metitur.

“At recentium astronomorum sicut et priscorum sententia est primum mobile in.24. horis motum suum intemperare. Et nonum mobile contranitendo in.49. milibus annorum. et octauam sphaeram motu accessus et recessus in.7. milibus annorum, de quo motu autor nihil meminit. que tamen adduxit introductione institutioni sufficere uidentur. fila autem altius nobis, plenius, institutis ex aliis sunt requirenda (...)”.

3.a p. 15, 1. 30: No texto lê-se: “naturalmenie”, cuja emenda fizemos. Cumpre notar, a propósito desta página, que Pedro Nunes alterou a ordem dos parágrafos desta edição latina, relativos à imobilidade da terra, e à terra centro do mundo.

4.a p. 15, 1. 6: Na citação das autoridades, Pedro Nunes suprimiu o nome de Vitrúvio, referido no texto de Sacrobosco. Vem a propósito notar que o tradutor do Tractado da Spera do mundo (in Regimento de Munique, p. 34 da numeração moderna), limitou-se apenas a indicar o nome de Theodosio, e que na edição parisiense de 1534 do Textus de Sphaera, acima indicada, também se não cita o nome de Vitrúvio.

5.a p. 29, à cota marginal: Duarte Pacheco Pereira, no Esmeraldo de situ orbis, critica também este passo de Sacrobosco, desenvolvendo largamente a mesma ideia de Pedro Nunes:

“Pomponio Mella no principio do seu segundo liuro e asy no meo do terceiro de sytu orbis, e mestre Joham de Sacrobosco, Ingrês, excelente autor, na arte da astronomia no fim do terceyro capital° de seu tratado da espera, cada um d'estes em seu luguar, ambos diseram que as partes da equinocial eram inhabitaveis polia muito grande quentura do sol; donde parece que segundo sua tençam aquella torrida zona por esta causa se não podia nauegar, poys que a fortaleza do sol inpedia nam hauer hy habitaçam de jente; o que tudo isto he falso; certamente teemos muita e muita Razam de nos espantar de tam excelentes homeés, como estes foram, e asy Plinio e outros autores que isto mesmo afirmáram, cayrem em tamanho erro como neste caso diseram, por que elles todos comfessam ha India seer verdadeyramente ouriental e pouorada de jente sem numero; e corno asy seja que o verdadeiro ouriente he o circolo da equinocial, que por Guinee e polia India passa e com a mayor parte d'ella tem vezinhança, craramente se mostra ser falso o que escrevêram; poys debaixo da mesma equinocial há tanta habitaçam de jente, quanta teemos sabida e praticada; e como quer que a experiencia he madre das cousas, por ella soubemos rradicalmente a verdade, por que o nosso Cesar Manuel, inuentivo e excelente baram, mandou Vasco da Guama, comendador da hordem de Santiaguo e cortesaão de sua corte, por capitam de suas naaos e jente ha descobrir e saber aquelles mares e terras com que nos os antiguos punham tão grande medo e espanto; e indo com muito trabalho achou o contrario do que [a mayor parte do que] os antigos escritores diseram: e passando do Rio do Infante em diante, no qual luguar ho serenissimo Rei Dom Joham hacabou seu descobrimento e naueguaçam, como atrás he dito, e correndo Vasco da Guama com suas quatro naáos pera aquella costa da incognita Ethiopia sob-Egypto achou ha Ethiopica vila de Melinde, onde soube as nouas da India que hya buscar; e d'aly hatrauessando aquelle grande guolfam de setecentas leguoas que naquelle meo faz, descobrio e nouamente soube algüa parte da desejada India inferior”. (Edição de A. Epifânio da Silva Dias, Lisboa, 1905, p. 152).


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