Primeira Parte - que compreende os anos que discorrem desde o de 1288 até princípios do de 1537

"Outrossim neste mesmo anno (1354), foi mandado (Resende) por El-Rey D. João III a Salamanca a buscar Nicolau Clenardo que naquela Universidade era cathedratico de Grego pouco tempo havia para o trazer consigo para Evora, a ser tãoben mestre do Infante Dom Henrique, já então Arcebispo Bracharense, como consta de hCia Carta do mesmo Clenardo escrita a João Vaseu com a data: Elborae, ultima Decemb ris, anno M.D.XXXIV." (Noticias da Vida de André de Rezende, pub. por Braamcamp Freire, p. 29.)

«A data desta carta, porém, anda errada. De admirar é que ninguém até hoje o tivesse suspeitado, nem os últimos biógrafos de Clenardo, Chauvin e Roersch, que tantas provas deram de superioridade de crítica no seu estudo sobretudo bibliográfico. Certo é que a carta traz a data de 31 de Dezembro de 1534, desde que pela primeira vez foi impressa. Mas cada dia se me aferra mais a opinião de que erradamente foi datada de 1534, em lugar de 1533, que é o ano em que ela foi escrita de facto. Eis as razões em que me baseio:

«1.0 A carta foi escrita poucos dias depois da chegada de Clenardo a Évora, porque Clenardo ainda não tinha sido recebido pelo cardeal D. Afonso, quando a escreveu : Ubi venissem Eboram, nam hic est aula Regis, biduo post Regem cum Regina salutavi... Salutavi et discipulum meum Principem Henricum Archiepiscopum Braccarensem et reliquum fratrem Eduardum... Cardinalem hactenus non adii ob certa ejus impedi-menta, hodie, ut puto, aditurus; porque, desde que chegara ainda não tinha vindo o almocreve de Salamanca: Verum nondum ad nos venit agaso, tamen putatur adfuturus intra biduum.

«Por outro lado Resende chegara a Salamanca para o trazer consigo, em meados de Novembro de 1533:

«Em Novembro, porque, segundo o testemunho várias vezes repetido de Clenardo, fr. André chegou doze dias depois de Clenardo ter inaugurado o seu curso público na Universidade: Igitur reversus abs te noster Marcus, me Salmanticae stipendiis illis donatum repperit, ut tibi scripsi e Salmantica. Vixdum duodecim dies praeterierant, ecce adest nobis Resendius una cum literis Regis et fratris... (Cf. Carta ao imperador Carlos V e Carta i.a a Látomo.) Ora Clenardo começou a reger a sua cadeira de línguas a 5 de Novembro, pois na carta a que acima faz referência, a qual foi escrita em Salamanca, partim V partim VI. Novemb ris, diz o seguinte: Tertio die Novembris... veniunt ad me duo Doctores Theologi ambo Cathedratici:

nunciant nomine totius senatus, mihi constitutum salarium quadraginta millium, id est, centum ducatorum, et aliquanto amplius in singulos annos, hac lege, ut inventu tem Salmanticensem formarem, tam in Graecis quam Latinis... hodieque in possetionem, ut vocant, positus sum;

«De 1533, porque Resende dá a sua ida a Salamanca como passada no mesmo ano em que voltara de França e Flandres.

«Ora a sua vinda foi no ano de 1533, como muito solidamente estabeleceu Leitão Ferreira, apesar de mestre André ter escrito que no de 1534, equivocando-se.

«Ora, tendo a carta sido escrita pouco depois da sua chegada a Portugal, e estando Resende em Salamanca em Novembro de 1533 para o trazer consigo (como trouxe), se a carta tivesse sido escrita realmente em 1534, ter-se-iam demorado na velha cidade universitária ainda um ano completo, todo o ano de 1534 — contra a mais bem fundamentada cronologia, pois nós sabemos de certeza que a 7 de Março desse ano de 1534 Resende escrevia uma carta latina a Joana Vaz, e a 27 de Maio pregava no sínodo de Évora, e no 1.° Outubro pronunciava na Universidade de Lisboa a Oratio pro rostris, onde dá testemunho de que Clenardo já cá se encontrava: qui erudiendo Henrico principi, regia liberalitate in Lusitaniam est adcitus.

«2.° Há outra carta de Clenardo, evidentemente posterior, e que, embora não traga designação de ano, é seguramente de 1534. É a carta a Vaseu, datada da véspera de Natal: pridie natalis Christiani. Eborae. Na edição de Plantin vem imediatamente antes da carta de 31 de Dezembro.

«É posterior,

«porque nela Clenardo supõe Vaseu já informado da sua vinda para Évora, conhecendo mesmo o seu amigo arcediago, enquanto na do fim de Dezembro lhe dá a notícia como uma grande novidade: Audi fabulam, non fabulam, sed historiam. Factus sum Aulicus.,

«porque lhe escreve já para Salamanca, felicitando-o pela sua situação: serio tibi gratulor, amantissime Vasaee, conditionem Salmanticensem., e lhe fala dos seus amigos salamantinos como de pessoas com quem Vaseu trata, aconselhando-lhe que cultive a amizade de Victoria: Vid ut eum modis omnibus colas; ao passo que na carta datado do último dia de Dezembro ainda lhe escreve para Sevilha: Quod ad me scripse ris Salmanticam, necdum misit Marcus, imo misit, ita enim convenerat. Sabe-se que Vaseu acompanhara em 1531 Clenardo à Espanha e seguira com D. Fernando de Colombo para Sevilha, onde ficou durante os três anos por que se comprometera, indo só depois de expirado esse prazo ensinar as línguas em Salamanca.

«Em Outubro de 1534 esteve Vaseu em Évora de visita a Clenardo, quando, já curado duma doença que o poz à morte; concluira o tempo do seu compromisso com Colombo, segundo Clenardo refere na Carta a Látomo de 26 de Março de 1535: ipsi meus Vasaeus, Augusto supertoris anni desperatus iacuit... salvus tamen ad me venit Eboram, paulo post Calendas Octobris: iam enim exactum erat tempus quo sese addixerat D. Fernando.

«É de 1534 sem dúvida alguma,

«porque nela conta Clenardo que uma carta para ele de Rutgero Rescio datada do dia de S. Miguel de 1533, só lhe chegou à mão a 17 de Dezembro

— o que, a ser do mesmo ano de 1533, não daria lugar a estranhezas: Rutgerus literas ad me dedit Anno xxxiii. die Michae lis, eas modo xvii. Decemb ris mihi reddidit Lusitanus quidam, qui Lovani insignibus Theologicis decoratus est, frater Iacobus a Murtia...;

«porque (e isto é decisivo) dá notícia da morte recente do infante D. Fernando, logo seguida pela de sua esposa: Decessit nuper Regulus Fernandus, deinde paucis interiectis diebus maritum secuta est uxor, et gemino lucto proceres hic pullati obambulant aut mulitant, ut verius dicam.

— mortes que tiveram lugar no ano de 1534, como referem todos os historiadores do tempo.

«Ora se a carta da véspera de Natal é de 1534 e posterior à outra, que é do último dia de Dezembro, esta não pode ser senão do ano anterior, isto é de 1533. A data de 1534 está errada: indevidamente esta carta foi colocada depois da da véspera de Natal.

«3º  Clenardo viera para Portugal ao findar de 1533: só assim se perfazem os cinco anos que disse na Carta a Carlos V ter residido em Portugal (Cum quo [Henrico] versatus annos quinque) visto como em Novembro de 1538 abandona Portugal: Superiore Novembri decessi Braccara... Sed ut coeperam, reliqui Braccaram, et profectionem adornavi Castellam versus. (Carta a Látomo, de Granada, ?ui Julli, Anno XXXIX). «4.° Mais: Clenardo diz na Ep. ad Crhstianos que ia em 4 anos que ele estava em Portugal, quando se mudou para Braga (Iam annus instabatquartus, et adornabamur ad profectionem Bracharensem.) Ora nós sabemos que essa viagem foi em Julho de 1537, como se vê, por exemplo, na Carta a Látomo, de 21-2-1537, na Carta ao Arcediago, de 8-9-1537 e na Carta a Hové rio, de 27-2-1538 — todas escritas de Braga. Mas se em Julho de 37 ia em 4 anos que Clenardo viera para Portugal, é porque veio em 1533.

«5.0 Clenardo estava em Portugal, segundo o testemunho de Resende, quando ele fez em Lisboa a Ora tio pro rostris, no dia 1º de Outubro de 1534: …  Hoc Nicolao Clenardo, qui erudiendo Henrico principi, regia liberalitate in Lusitaniam est adcitus…

«Sendo assim se Clenardo já cá estava há tanto tempo, é crível que no último dia de Dezembro de 1534 ainda não tivesse ido visitar o cardeal? Mas se a carta é de 1533, como me parece provado, compreende-se perfeitamente que ainda o não tivesse avistado quem chegara há poucos dias.

«Concluamos, pois: a carta é de 31 de Dezembro de 1533. Clenardo acabava de chegar a Portugal.


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