Introdução à metafísica de Aristóteles

Anaxágoras foi quem primeiramente se ocupou desta ordem de considerações, embora se diga que Hermótimo de Clazómenes o precedera, ao admitir “que existia na Natureza, como entre os animais, uma Inteligência (Nous), causa do mundo e da ordem universal” (hic., p. 22); não obstante, confundiu num só conceito a “causa que é princípio do bem nos seres e a causa donde vem aos seres o movimento”, e além disto somente recorreu ao Nous (Inteligência) quando se via na dificuldade de explicar uma coisa por causas físicas.

Empédocles distinguiu a causa do Bem, a que chamou Amor, da causa do Mal, a que chamou ódio, mas a sua teoria também não é consequente. Com efeito, nela se dá o caso de o Amor separar e o Ódio unir, pois quando o Amor une os quatro elementos para formar os seres que constituem o Universo tem necessariamente de separar da constituição homogénea em que se encontram as partes de cada um deles, e o mesmo, mas inversamente, relativamente ao ódio.

Leucipo e Demócrito consideraram como elementos o pleno e o vazio, a que chamavam o ser e o não-ser; e tal como os filósofos jónicos, que faziam provir todos os seres de uma única substância, também eles faziam provir todos os seres das propriedades do pleno e do vazio, a saber, da figura, da ordem e da posição.

Esta explicação, porém, também é insuficiente, porquanto, como todos os seus predecessores, Leucipo e Demócrito não dizem donde e como se origina nos seres o movimento.

d) Causa formal. Os Pitagóricos, nutridos de saber matemático, que notavelmente fizeram progredir, afastaram-se da causa puramente material ao estabelecerem que os números são os princípios das coisas.

Em seu entender, os número não são totalmente desprovidos de matéria, mas a materialidade que os constitui não é tangível, senão que abstracta, de sorte que introduziram na “ciência que procuramos” um princípio ideal.

Com efeito, entendiam que o número é a relação das partes materiais, e porque esta relação é diferente nos diversos seres daí “parecem admitir que o número é princípio, quer como matéria dos seres, quer como [constituinte] das suas modificações e hábitos”, isto é, como forma.

Nesta concepção, a causa formal é considerada em íntima conexão com a causa material. Os primeiros que deram passos no sentido de a separarem foram os filósofos eleatas, ao admitirem que a razão de ser do Universo é a unidade e a imutabilidade, embora divergissem acerca do conceito de Uno, pois Xenófanes dizia que o Uno é Deus, Parménides, que ele era finito, e Melisso, infinito.

Pertence, porém, a Platão a concepção da autonomia plena da causa formal, como implicação da sua teoria das Ideias, segundo a qual todas as coisas têm por princípio uma forma ou essência imaterial.

Concepção capital na história da Metafísica e da Teoria da Ciência, a sua importância impõe que nos detenhamos um tanto nos passos do livro Alfa maiúsculo que lhe dizem respeito, aliás sem nos desviarmos do sentido compendioso da presente introdução. Seguindo a ordem deste livro, e sem sairmos dos seus limites, dado que o nosso objetivo é a propedêutica aos pensamentos que ele expõe e não a consideração da totalidade do pensamento de Aristóteles e a da correlação do Alfa maiúsculo com os demais livros da Metafísica e do corpus aristotélico, exporemos primeiramente a concepção da teoria das Ideias que Aristóteles atribui a Platão e depois, na secção seguinte, a crítica que lhe dirigiu.

Situando-nos exclusivamente no sentido dos períodos do livro que nos ocupa, deixando de lado, portanto, o complexo problema de saber se as concepções que Aristóteles atribuiu a Platão coincidem rigorosamente com as concepções que podemos conhecer mediante os próprios escritos platónicos e indiretamente mediante juízos de intérpretes e críticos, a primeira coisa a notar é a explicação da génese da teoria das Ideias.

Segundo Aristóteles, a teoria platónica filia-se em concepções de Heráclito, de Sócrates e dos Pitagóricos (cap. 6.°), omitindo qualquer referência à influência de Parménides e de Euclides de Megara, que aliás Platão implicitamente confessou.

Por intermédio de Crátilo, seu mestre na juventude, Platão veio ao conhecimento da concepção mobilista de Heráciito, segundo a qual todas as coisas sensíveis estão submetidas ao fluir incessante, tal como a água corrente de um rio, na qual nos banhamos duas vezes.

Com este ensino, o futuro filósofo da Academia aprendeu que é impossível um saber exato edificado somente sobre as próprias coisas ou sobre as intuições sensíveis que elas geram, dado que a Ciência tem de assentar no que não muda, e as coisas sensíveis não são, mas estão, ou mais precisamente, devêm.

Mais tarde, a convivência com Sócrates ensinou-lhe que o esforço explicativo deve dirigir-se no sentido da definição da coisa que é objecto de problema ou de indagação. Sócrates somente se ocupara de temas morais, mas a lição viva e convincente da sua dialéctica de filósofo que sempre procurou o inteligível e universal, isto é, o conceito que exprimisse a essência da coisa que era objecto de indagação ou de conversação, podia ser alargada à totalidade do mundo pensável.

O que Sócrates havia feito relativamente aos fundamentos explicativos da atividade ética continha potencialmente a explicação teorética da realidade do ser; por isso, conjugando a concepção heracliteia de que “a ciência que procuramos” se não encontra no estar mutável das coisas e da sensibilidade em que ele se reflecte, Platão, após Sócrates, foi levado a procurá-lo no que as coisas sensíveis têm de inteligível e de imutável, e a que chamou Ideia. As Ideias, no sentido platónico, são, pois, realidades, e estas realidades existem alhures das coisas sensíveis, porque, exprimindo elas essências universais, é impossível que o universal exista em cada uma das coisas sensíveis, mormente nas que se apresentam em constante fluir e mutação.

Do que vimos dizendo resulta que, desenvolvendo, aprofundando e modificando concepções de Heráclito e de Sócrates, Platão foi levado a estabelecer a separação entre o Inteligível e o Sensível, ou por outras palavras, entre o Universal e Imutável de um lado e o particular e deviente do outro, e a conferir às Ideias, que exprimem, em contraste com a perpétua mobilidade de esvaimento das coisas sensíveis, o Inteligível, o Universal, o Imutável e a Essência, isto é, a quididade dos seres, a identidade e permanência necessárias à fundamentação da “ciência que procuramos”.

A Ciência convertia-se, assim, no conhecimento das Ideias ou Formas imateriais das coisas, mas para que a teoria se tornasse harmónica cumpria estabelecer a relação das Ideias com as próprias coisas sensíveis. É, o terceiro aspecto sob o qual Aristóteles considera a génese da teoria platónica das Ideias e que a seu juízo remonta à teoria pitagórica dos seres sensíveis como imitação dos números.

Da exposição aristotélica resulta que a teoria platónica das Ideias é como que a síntese de concepções anteriores, o que aliás Zoller, o incomparável historiador da Filosofia helénica, corroborou com sábia e penetrante crítica. A esta luz, a teoria das Ideias aparece, consequentemente, como fundamentação da realidade da Ciência e do conhecimento inteligível, e portanto como explicação ontológica, isto é, o que faz com que um ser seja o que é, um cavalo, um cavalo, uma estátua, uma estátua.


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