Os Opera Philosophica de Francisco Sanches

Em torno e como desenvolvimento dos temas do Examen rerum, que tudo leva a crer teria a forma de um tratado construtivo, e não a de um comentário mais ou menos livre ou a de uma obra polémica, Sanches pensou escrever alguns escritos de objeto preciso e limitado, como sugere a frase in libris Naturae ex professo tractabimus, do Quod nihil scitur (11, 42). Sem quaisquer outros informes, é impossível saber se estes livros sobre a Natureza são identificáveis com o Examen rerum, como sugeriu Ludwig Gerkrath, se designam alguns capítulos deste último livro, ou se eram escritos independentes e autónomos. Se se admitir esta última conjetura, pode pensar-se que os Libri Naturae compreendiam o Tractatus de elementis, a que alude no In librurn Galeni de Causis morborum Commentarius, e o Tractatus de loco, a que se refere no Quod nihil scitur (25, 14-15).

Neste mesmo livro, que é o que contém mais referências a obras entre mãos ou em projeto, Sanches refere ainda mais três títulos de escritos seus: o De anima, o De modo sciendi e o Methodus sciendi. Ao De anima faz três referências expressas (12, 20; 38, 19 e 42, 6), das quais se depreende que à data da publicação do Quod nihil scitur o manuscrito já tinha, pelo menos, algumas partes que ele considerava definitivas no respeitante à doutrina que expunham. Esta ilação é corroborada pela referência posterior do De longitudine et breuitate vitae (63, 23-24).

O De modo sciendi e o Methodus sciendi, referidos somente no Quod nihil scitur, apesar da diversidade dos títulos, designam, a nosso ver, uma só e mesma obra que Sanches se propunha escrever, como se depreende das respetivas referências: De modo sciendi librum expecta (9, 10) e esta outra que remata o Quod nihil scitur: Interim nos ad res examinandas accingentes, an aliquid sciatur, et quomodo, libello alio praeponemus: quo methodum sciendi, quantum fragilitas humana patitur, exponemus (53, 37-39).

Os eruditos Guy Patin, na Naudaeana et Patiniana (72 e 73), e Moreri, no Dictionnaire historique, dão a notícia deste escrito haver aparecido em castelhano com o título de Método universal de las ciencias. A notícia parece não ter fundamento, visto terem sido inúteis os esforços, dos quais sobressaem os de Emilien Senchet, para descobrir o paradeiro do manuscrito latino e da tradução castelhana — e sê-lo-ão porventura, sempre, esta, por não ter sido impressa, e aquele por ser muitíssimo provável, senão certo, que o Methodus sciendi não foi além de projeto, concebido ao tempo da publicação do Quod nihil scitur, cuja problemática não mais tornou a preocupar a mente de Sanches, como manifesta o teor da sua bibliografia ulterior.

Finalmente, teve ainda entre mãos um Tractatus de vita, referido no De longitudine et breuitate vitae (54, 17-18), e pensou nuns Commentarii ad libros Metheororum Aristotelis como objeto de um curso e em seguimento do curso do qual saiu o In librum Aristotelis Physiognomicon Commentarius. É o que se depreende do proémio deste último comentário (83, 17); ignora-se, porém, se chegou a fazer o curso, e, consequentemente, se redigiu, no todo ou em parte, o Comentário aos Metereológicos.

relação dos livros publicados por Sanches e pelos seus herdeiros, postumamente, e aos que ele próprio anunciou com destino ao prelo, em preparação ou em projeto, cumpre ter em consideração os que lhe foram atribuídos pelos bibliógrafos Barbosa Machado e Nicolau António.

O erudito autor da Biblioteca Lusitana atribui-lhe um De Interpretandis Autoribus, Antuérpia, Apud Plantinum, 1582, 8.°.

A atribuição não tem fundamento, resultando, como é manifesto, da confusão que o nosso erudito bibliógrafo estabeleceu entre o filósofo do Quod nihil scitur e o filólogo Francisco Sanchez de las Brozas, que foi realmente o autor do De Autoribus interpretandis, sive Exercitatione, Antuérpiae, ex officina C. Plantini, 1581, e em segunda edição, em 1582.

Por seu turno, Nicolau António dá notícia na Bibliotheca Hispana Nova de um Tractatus de semine, cujo manuscrito existira na livraria de D. Luís de Castela. Ignora-se o paradeiro de tal obra, cuja autenticidade aliás não parece inverosímil, por condizer com os problemas de vita de que Sanches se ocupou.

Finalmente, há notícia de haver existido no arquivo do Hotel-Dieu, de Toulouse, um manuscrito sanchesiano intitulado Traicté des os, de l'usage, substance, différence et nombre des os, o qual foi mais tarde incorporado no fundo dos Archives Departamentales, daquela cidade. O manuscrito perdeu-se no incêndio que consumiu este Arquivo; não obstante, ele relaciona-se com a atividade de Sanches, não se podendo, porém, estabelecer com segurança se, como informou Barbot, constituía o «chapitre premier, donné par M. Sanches, docteur en Medecine et lecteur ordinaire en Chirurgie en l'an 1584», se era redação original ou tradução do De ossibus, liber primus, incorporado na Opera medica.

Resumindo o resultado das indagações, pode estabelecer-se a seguinte bibliografia de re philosophica de Francisco Sanches:

a) Livros por ele dados ao prelo:

Carmen de cometa, Lyon, 1578, e Quod nihil scitur, Lyon, 1581.

b) Livros publicados postumamente:

De longitudine et breuitate vitae liber; In librum Aristotelis Physiognomicon commentarius e De diuinatione per sommum ad Aristotelem.

Estas obras, com o Quod nihil scitur, constituem o corpus filosófico que os herdeiros de Francisco Sanches deram a público juntamente com a Opera medica, em 1636, Tectosagum, apud Petrum Bosc, typographum.   

A estes escritos, indubitavelmente autênticos, cumpre acrescentar a Epistula [secunda] ad C. Clauium, dada pela primeira vez a público em 1940. 

c) Livros muito adiantados, mais ou menos prontos para o prelo:           

Examen rerum e De anima.       

d) Livros planeados, cujo estado de execução não é possível conjeturar e muito menos estabelecer: 

Libri Naturae, Tractatus de elementis, Tractatus de loco, De modo sciendi ou Methodus sciendi, e Commentarii ad libros Metheororum Aristotelis.          

As fontes do conhecimento do pensamento filosófico de Francisco Sanches devem ainda ser procuradas na Opera medica, em cujas páginas se encontram por vezes períodos que precisam, esclarecem ou desenvolvem passos da opera philosophica. Na impossibilidade de levarmos a cabo a compilação exaustiva destes trechos, coligimos somente alguns dos passos que mais importam à compreensão de certas passagens do Quod nihil scitur e ao conhecimento do teor do Examen rerum os quais reunimos sob o título Excerpta quaedam ex «Opera medica». 

Os textos que reproduzimos foram revistos em conformidade das respetivas primeiras edições, a saber: O Carmen de cometa, pela edição de 1578; o Quod nihil scitur, pela edição de 1581; e o De longitudine et breuitate vitae liber, o In librum Aristotelis Physiognomicon commentarius e o De diuinatione per sommum ad Aristotelem, pela edição de 1636.        

Filho espiritual de uma época em que conflituavam, por vezes dramaticamente, a tradição e a inovação, a reflexão de Francisco Sanches, por um lado, tem raízes no passado, e por outro, abre asas para o futuro, por haver notado a fragilidade dos fundamentos do saber tradicional e por ter ouvido o apelo incitante dos problemas da Natureza. Ele o disse no Quod nihil scitur — prima vita, Naturae contemplationi addictus minutim omnia inquirebam (1, 25-26), mas a sua mente interpretou o apelo da Natureza, epistemologicamente, como limitação do conhecimento autêntico ao conhecimento sensível, metodologicamente, como repúdio dos processos mentais que conduzem à objetivação de essências, de universais e de entes de razão, como sejam os átomos, de Demócrito, as Ideias, de Platão, os números, de Pitágoras, os universais de Aristóteles, a conceção do intelecto ativo e a das inteligências separadas (Quod nihil scitur, 2, 19-20), e filosoficamente, como teoria metafísica da Natureza que fosse ao mesmo tempo explicação física.


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