3. Correntes ideológicas. Henriques Nogueira. Socialismo, federalismo e unitarismo

c) O comércio, função de troca, é considerado, seja qual for o objeto sobre que opere, mercadorias ou moeda, exercício livre e responsável do Indivíduo. O Estado não pode ter sobre ele ação fiscal pelo imposto, nem económica pela intervenção direta; a intervenção do Estado no comércio não pode ir além da que lhe permitem as tarifas aduaneiras. Livre e responsável ilimitadamente o comerciante, e adquirindo pelas funções que exerce uma quase magistratura, determinará a lei os modos de tornar efetiva a responsabilidade e de punir a prevaricação. A sociedade anónima, de responsabilidade limitada, só é permitida quando se destine a objeto sujeito a contrato com o Estado, como na exploração de minas, caminhos-de-ferro, navegação, docas, etc.; e fora disto industrialmente, toda a vez que não haja incompatibilidade no risco, e submetida sempre à intervenção fiscal e permanente do Estado.          

III. REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Alteradas as ideias constitucionais de uma nação, a reorganização das funções administrativas do Estado toma o carácter de um simples corolário. Sendo na Democracia federal as ideias constitucionais: a livre expansão da força individual e a manutenção da unidade social; procede neste terreno a Revolução por uma série de eliminações e transformações, que tiram ao Estado as feições tradicionais anacrónicas que se traduzem positivamente por desordem e vício:       

a) A Representação: o Estado, outrora representante de uma autoridade transcendente, encontrava na majestade o culto da divindade que encarnava em si; o Estado, representante do direito humano, encontra hoje esplendor, realidade e culto na razão, na ciência e no trabalho; o salário dos serviços públicos não deve medir-se, pois, pela ideia de representação, mas sim pela de produtividade, ideia comum a todos os salários: tal é o princípio da reorganização burocrática, militar, diplomática, judiciária, etc., e a primeira disposição consiste em fixar um máximo de salário, além do qual não pode ir o pagamento dos serviços públicos.         

b) A religião: representante da divindade na Terra, o Estado era um sacerdócio; o culto era uma função pública. Representante da força coletiva da sociedade, racional e livre, a ideia de Religião é antinómica à Ideia de Estado. Do ponto de partida social e jurídico da liberdade e responsabilidade do homem, podem a especulação metafísica ou o sentimento chegar até à ideia de transcendência, mas esse facto moral privado está fora da órbita civil e jurídica. A liberdade não é, pois, uma permissão cética dos diferentes cultos: é sim o não reconhecimento de qualquer deles como formando parte do corpo social. Declarar, pois, que o Estado não tem religião, que não a tem o cidadão (embora a tenha o homem); que, Ipso-facto, ficam abolidos todos os subsídios diretos e indiretos ao culto; que as tentativas de ataque à ordem social por parte das classes sacerdotais (com a instrução, com a prédica, etc.). Entrarão no foro comum da polícia; tal é o pensamento da legislação revolucionária.           

c) A Justiça: salariar os magistrados, e abolir os emolumentos, tornando-a gratuita para o povo, eis o princípio da Revolução.               

d) A Instrução: batismo civil do homem, a instrução é a mais nobre das funções públicas:

centralizar, aprofundar e aplicar a instrução superior;

 descentralizar, vulgarizar, a secundária;

  criar a instrução primária.

Ler, escrever, contar, é a pedra fundamental do edifício admirável que se chama um homem. A instrução primária tem de ser secular, obrigatória e gratuita. Secular, porque a ciência é independente da religião; dá a instrução, enquanto a religião e a família dão a educação. Obrigatória, porque não há no homem liberdade de suicídio; muito menos no pai liberdade de assassínio do filho. Gratuita, porque a gratuitidade é o carácter comum a todas as funções coletivas: gratuita como o trânsito na estrada ou a navegação no rio.

e) As Obras Públicas: o Estado, proprietário do domínio coletivo, tem, como uma das suas principais obrigações, proporcionar os meios de circulação (estradas, canais, rios), manter a salubridade pública (florestas, secamento de pântanos), distribuir as águas, canalizar os rios, etc. Realizá-lo, contratando a execução, manutenção ou exploração das obras com indivíduos ou com sociedades, preferindo sempre a norma, isto é, o contrato direto com a pessoa que tem de exercer a atividade operária: eis o espírito da legislação revolucionária.

e) Milícia: perdido o carácter de representação, perdido o de força agressiva, o exército reduz-se à norma de segurança interna e da defesa nacional. Conscrição universal, abolição da substituição, organização de reservas, são os traços normais da constituição da força pública.

f) Dívida: liquidação da existente por meio de conversões e amortizações; proibição de consolidação de futura.

g) A Receita: pela venda dos bens nacionais e pela abolição do imposto atual, por iníquo, a receita do Estado tem de assentar sobre bases completamente novas:

1.°) Nunca poderá exceder 1/10 da receita bruta da sociedade.

2.º) Constituir-se-á com:

- o domínio nacional, cujo rendimento forma a dotação do Estado;

- o imposto, taxa complementar lançada sobre o exercício das funções coletivas;

- e o rendimento aduaneiro.

IV. INICIAÇÃO PROGRESSIVA

O Estado, como todos os seres vivos, tem uma existência ativa. Não é um espectador passivo da Sociedade, é um ator, com o Individuo, no grandioso drama da Humanidade no tempo. Existe, pois, em virtude de uma ideia; rege-lhe a vida uma lei. Vem de um passado e caminha para um futuro: a Liberdade. A liberdade consiste, na hora de hoje, em sentar ao banquete da vida os dois ou três milhões de portugueses, que a Ignorância e a Fraqueza mantêm num estado de subserviência e de miséria. Os do proletariado agrícola chamando-os à lei comum da propriedade, democratizada pela nacionalização da renda. Os do proletariado industrial libertando a indústria da tirania do juro e do privilégio, e permitindo assim a divisão e a associação do trabalho. Uns e outros, para que a instrução lhes permita que esqueçam o crime, para que a economia lhes permita que matem a fome; para que Instrução e Economia de mãos dadas lhes tornem lícita a Propriedade, a Família, a Liberdade.

I. Proletariado agrícola.

Revolução, mobilização, pulverização da propriedade:

a) Mobilização pelo crédito;

b) Imposição, proporcional à área, e progressiva com o tempo, sobre os terrenos incultos; remível pelo abandono deles ao Estado;


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