3. Correntes ideológicas. Henriques Nogueira. Socialismo, federalismo e unitarismo

Enquanto Antero e Oliveira Martins se inspiravam em Proudhon, idealizavam a revolução social e como europeus viviam a emoção socialista, Teófilo, patriota, justificava pela história pátria o seu ideário, e fiel ao Curso de Filosofia Positiva de Comte, concorria pelo livro, pelo artigo e pela palavra para transformar a propaganda republicana de comoção sentimental em doutrinação persuasiva. A reflexão histórica levou-o a reinventar a soberania nacional contra as pretensões da dinastia, a repudiar a Carta como expressão sofística «de uma transigência temporária entre o absolutismo e a revolução» e «a ver a evolução da história dos povos peninsulares e a julgar da solidariedade de Portugal no organismo político» da Península; e o positivismo, ou mais precisamente a sociologia de Comte, na qual encarcerou o seu pensamento desde 1872, a condenar o revolucionarismo, pela teoria da «ordem como condição do progresso», e a desligar «o facto estável do Estado da intervenção transitória do Governo».

«Os positivistas portugueses», escreve, «compreenderam a necessidade de evitar toda a agitação partidária, que só servia para justificar os arbítrios da polícia, e assim fizeram a crítica da tradição jacobina, e puderam julgar a incoerência dos metafísicos revolucionários, e as divergências provenientes do clubismo. A ordem em Portugal não é uma consequência do bem-estar geral, mas da apatia de um povo esgotado pelo exercício de um governo de expedientes, por um sistema beneficiário de uma família privilegiada, que tem mantido a estabilidade; para que essa ordem não se converta em automatismo dos agentes estáticos de coesão nacional, é necessário vulgarizar ideias, ensinar a formar a opinião, estabelecer relações com o movimento europeu, e só assim é que por seu turno o progresso será o primeiro factor da ordem» (História das Ideias Republicanas, p. 323).

Equidistante do despotismo monárquico e do despotismo jacobino, o pensamento político de Teófilo procurou uma fórmula de equilíbrio social na qual coexistissem a Conservação e a Revolução, pelo «acordo entre os factos de natureza estáticos, ou que estão fora da vontade dos indivíduos, e os factos dinâmicos essencialmente impulsores do desenvolvimento social». Encontrou-a na República democrática, historicamente, porque era o termo necessário da evolução moral do povo português, e sociologicamente, porque a sua essência conciliava a ordem com o progresso, tornando ao mesmo tempo mais dignos os indivíduos. «A República», escrevia, «que para os políticos gregos e romanos era a coisa pública, o acordo ideal de todas as coletividades, para nós é uma realidade concreta reclamada pela elevação das consciências e da dignidade individual. Como uma necessidade urgente, tende a definir-se cada vez mais e melhor; a República já não é essa expressão vaga de idealismo político, é uma forma racional adaptável aos diversos meios nacionais. Daqui provêm as suas diferenças segundo o tipo unitário, aproveitando-se das unificações das monarquias centralistas, que jungiam os povos pela força sob a pressão de um cetro prepotente; ou o tipo federativo, em que o critério político se baseia sobre os elementos de diferenciação étnica, estabelecendo a liga desses elementos pela autonomia de todos eles em um pato comum consciente» (História das Ideias Republicanas, p. 325).

Perante os dois tipos de organização, que Teófilo não considerava «antinómicos entre si, se dividiram e digladiaram os republicanos durante a década 1870-1880. O federalismo, vimo-lo já, fora contemporâneo da primeira doutrinação republicana, porém, a vivacidade com que foi defendido durante este decénio não se inspira simplesmente na mensagem de Henriques Nogueira. Antero de Quental e Oliveira Martins, como discípulos de Proudhon, tinham-no modernizado, associando-o à propaganda socialista, e por outro lado a conceção da autonomia das nacionalidades peninsulares, que Henriques Nogueira ambicionou justificar historicamente, desprendia-se dos escritos de Teófilo e encontrara no Las Nacionalidades, de Pi y Margal, a justificação histórico-política. À fundamentação histórica, que importava uma espécie de ressurreição da organização peninsular da Idade Média, acrescia a figuração ideal da vida republicana. Sob o perfil antigo, de virtudes romanas, descobre-se neste ideal a imagem de Proudhon, cujo Du Principe Fédératif teve então tanta voga como tivera, por 1820, o Contrato Social, de Rousseau. Com o grande panfletário, pensava-se que a cidadania e a centralização eram inconciliáveis, e que a felicidade pública residia no «garantismo político-económico» de fortunas médias completando a federação política de Estados médios amplamente descentralizados.

O republicanismo federalista não foi exclusivamente político. No íntimo, demandava um ideal de paz político-social, pela abolição da realeza e dos exércitos permanentes, e pela formação de patos internacionais e extensão da mutualidade sob todas as suas formas. A representação objetiva da República deslocou-se então, para muitos, da França para a Suíça, cuja constituição federal de 1874, e cuja prosperidade e paz civil, proporcionaram sugestivos temas de reflexão e exemplo.

Por estas razões se compreende que em 1873, quando pelo estímulo da proclamação da República em Espanha, o republicanismo tentou os primeiros passos na via da organização, e surgiram as divergências ideológicas e de tática entre democratas (Elias Garcia, Latino Coelho, Bernardino Pinheiro, etc.), republicanos moderados (Oliveira Marreca, Costa Goodolfim, etc.) e radicais ou federais (Nobre França, Cecílio de Sousa, Silva Pinto, Eduardo Maia, etc.) o federalismo tivesse sido a fórmula que reuniu mais adeptos e dominou no jornalismo partidário desde 1869 com a República Federal, de Felizardo Lima.

Os federais tiveram por si o número e a combatividade. Confundiram frequentemente, sem dúvida, a ação política com a agitação clubista; mas singularizava-os a circunstância de se agruparem mais em torno de ideias do que de pessoas e de terem concretizado num programa simples, em 1873, o conjunto das suas aspirações:

 

PROGRAMA DO CENTRO REPUBLICANO FEDERAL DE LISBOA

(Publicado em O Rebate, n.º 1, 1873)

I. Queremos a abolição da monarquia, e a proclamação da República Democrática e Federal Portuguesa.

II. A República Democrática e Federal Portuguesa será constituída por estados autónomos, cujo número e limites serão fixados ulteriormente; e as cidades de Lisboa e Porto serão alternadamente as capitais da Federação, por períodos de dois anos.

III. Queremos que a República Federal tenha por base a independência da paróquia e do município, sem a tutela administrativa nem as instituições por esta criadas, como governadores civis e administradores do concelho, sendo a paróquia e o município completamente livres na gerência de todos os interesses respetivos, como obras públicas, impostos, propriedades comuns, escolas, polícia, etc.

IV. Queremos que a República Federal Portuguesa garanta a todos os cidadãos de ambos os sexos que a constituírem, os direitos individuais: de pensar, direito de falar, direito de imprimir, direito de reunião, direito de associação, direito à instrução, direito ao trabalho, direito ao crédito e direito à propriedade.


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