6. Anotações ao De Crepusculis

P. 90, 1. 31: horis (...) wqualibus] Pedro Nunes admitiu, como os seus contemporâneos, a distinção dos dias em naturais e artificiais, e a das horas em iguais e desiguais.

Dia natural: Segundo Sacrobosco (vol. I, p. 36, 11. 4-5), “he hija volta que faz a equinocial por derredor da Terra”, ou, na definição mais precisa de Orôncio Fineu, “naturalem solemus appellare diem, tempus quo centrum corporis solaris ad regulatum Vniuersi motum, integram reuolutionem circa Terram, ah ipso Meridiano supputatam adimplet”. (Ver o Liber quartus Cosmographix, siue Mundi Sphxrx, De dierum et horarum tam xqualium, quam inxqualium, et umbrarum ratione: deque singulorum accidentibus, iuxta uarium sphwrx situm obseruatis), do Livro V (“De Cosmographia, siue Mundi Sphaera”), da Protomathesis (Paris, 1532), fol. 130 v.

Pedro Nunes explicou a razão da desigualdade dos dias naturais na nota l ao texto de Sacrobosco (vol. I, p. 40, à margem); e na nota f (eo. loc., p. 37, à margem) havia já mostrado que os dias naturais, “de meio dia a meio dia”, são desiguais e sê-lo-iam também se fossem contados “do nacimêto do Sol ate outra vez tornar a nacer”. O primeiro limite era tradicional, indicando-o Ptolomeu (Almajesto, III, 8); o segundo, supomo-lo conjeturalmente estabelecido por Pedro Nunes com intuito meramente explicativo, pelo que se lê em Albaténio: “(...) initium diei non ponitur ah ortu vel occasu Solis, sed a tempore meridiei aut medi m noctis”. (Opus astronomicum, cit. ed. Nallino, I, p. 48, H. 36-37).

Dia artificial: No De spaera epitome (vol. I, p. 261, 11. 18-23) Pedro Nunes expõe a divisão tradicional do dia natural em dia artificial e noite, e define o dia artificial como “mora Solis supra horizontem”.

No Tratado da Sphera (vol. I, pp. 61-62) explica a desigualdade destes dias, cuja grandeza se determinava praticamente pelo arco diurno do Sol: “magnitudo dierum et noctium artificialium reprmsentatur nobis per magnitudines arcuum circulorum dierum naturalium, qui relinquuntur in hemisphmrio supero aut infero, ex uaria sectiome horizontis”, como se lê no citado lugar do De spxra epitome.

Horas iguais: Designavam-se normalmente de iguais e, às vezes, pelos anos em que foi publicado o De crepusculis, de naturais e equinociais, as horas resultantes da divisão do dia natural, enunciando-se a respetiva característica diversamente segundo o ponto de vista que se considerava.

A definição normal, que se generalizou, foi a de 1/24 do dia natural, ocorrendo no entanto quem acentuasse que era o tempo que levava a decorrer o arco equinocial de 15 graus, como se vê em Alfragano " e Albaténio.

Como é óbvio, estes enunciados exprimiam por palavras diversas o fundamento da divisão do dia natural em 24 horas; pelo que Pedro Nunes escreveu na primeira das suas notas marginais ao capítulo de Sacrobosco “De como nacem e se poé os Signos: segundo os Astrologos” (vol. I, pp. 32-33), que “Pois a equinocial faz sua volta em.24. horas e anda igualméte: cada hora sobirão dela.15. graos: e o mesmo he dizer este arco do zodiaco sobe em hüa hora e a aseensam deste arco he quinze igraos porg tudo sie refere a equinocial”.

Horas desiguais ou temporais: assim se designavam as horas resultantes da divisão do dia artificial em doze partes. Dentro de cada dia artificial as horas eram iguais pela divisão do arco diurno do Sol, mas como este arco varia de dia para dia as horas devinham desiguais na sucessão dos dias: daí a razão da sua designação.

Sirvam de fonte os seguintes textos:

a) De Alfragano, na citada edição dos Rudimenta astronomica: “Hora uero inwquales, cum quibus fit unaquwque dies ac nox tam in mstate quam in hyeme.12. horarum. Eearumque quantitates fiunt diuersecundum longitudinem idiei ac noctis, siue breuitatem, cum fuerit dies prolixior nocte, erunt horm eius breuiores. Cumque diuiserisarcum diei per.12. quod exierit, erit quantitas reuolutionis eirculi in unaquaque hora, et nominantur tempora horarum diei. Et similiter cum diuiseris arcum noctis per.12. erit quod exierit tempora horarum noctis, et hoc fit, cum minuuntur tempora horarum diei de.30. parti-bus. Iamque patuit quod hor quales sunt, quarum numerus fit diuersus secundum quantitatem longitudinis diei, et eius breuitatem. Earum uero tempora sunt wqualia, et guia horw inwquales sunt, quarum tempora sunt diuersa, numerus uero earum non est diuersus”.

b) De Orôncio Fineu, na citada Protomathesis, fol. 136: “Inwquales autem, seu temporalis hora diffinitur esse duodecima pars diei, aut duodecima pars noctis artificialis: unde et artificialis hora nonnunquam,dicitur”.

Na bibliografia portuguesa acerca deste assunto avulta notavelmente o estudo do falecido académico Luciano Pereira da Silva, “O astrolábio da Sociedade de Geografia e o nónio de Pedro Nunes”, (Lisboa, 1924), publicado no n.° 17, 3.a série, do Jornal de Sciências Matemáticas, Físicas e Naturais, da Academia das Ciências.

P. 93, 1. 13: Propositio XV] O texto desta proposição foi publicado, traduzido e o respetivo cálculo explicado pelo falecido académico Francisco Maria Esteves Pereira no artigo “Cálculo da duração do crepúsculo da tarde de 1 de Outubro de 1541, em Lisboa, pelo Doutor Pedro Nunes”, inserto na Revista de Engenharia Militar, ano 17, n.°5 7-9 (Julho-Setembro de 1912), pp. 282-290.

P. 93, 11. 25-26: summa urbis arce] Refere-se ao castelo de São Jorge de Lisboa, sobre o qual escreveram especialmente, de entre outros, Júlio de Castilho, na Lisboa Antiga, 2.a Parte (Bairros Orientais), t. III (Lisboa, 1885), e o académico Sr. A. Vieira da Silva, O Castelo de São Jorge em Lisboa (2.a ed., Lisboa, 1937).

Ignoramos se a referência de Pedro Nunes tem carácter episódico, ou se, pelo contrário, era no Castelo que habitualmente fazia as observações astronómicas. Informa Vieira da Silva, ob. cit., p. 45, que em 1779 se construíu numa “das torres do Castelo o primeiro observatório astronómico visto em Lisboa” e que numa das torres “está construído de 1788 (?) o Observatório Geodésico de Lisboa, atualmente do Instituto Geográfico (...)”.

P. 93, 11. 26-27: “obseruaui stellam Cordis Scorpii] Foi o académico Sr. Joaquim Bensaúde quem divulgou entre nós, após o informe de Steinschneider (Mathematik bei den Iuden, §§ 1501-1550, p. 479), a referência que Joseph dei Medigo faz a esta observação no problema XXXV do seu Sefer Majan Ganim (Livro da fonte dos jardins), impresso em Amesterdão em 1629, e cujas linhas iniciais o insigne orientalista Esteves Pereira traduziu para a nossa língua.

A referência é constituída fundamentalmente pelo resumo da observação, sendo, porém, de notar, como disse o sábio académico F. M. Esteves Pereira, “que o Dr. Pedro Nunes deu a longitude da estrela Coração do Escorpião segundo Albaténio e as suas próprias observações, enquanto que Joseph dei Medigo dá a mesma longitude segundo a tábua de Ptolomeu, adicionando-lhe a quantidade que, segundo Copérnico, tinha retrogradado o ponto de intersecção do equador e da eclíptica desde o meado do século II, em que viveu Ptolomeu, até o meado do século XVI, em que viveu o Dr. Pedro Nunes”.

Joseph dei Medigo aludiu expressamente à ascendência israelita de Pedro Nunes, assunto controverso de que nos ocuparemos em volume ulterior destas Obras e cuja bibliografia essencial é atualmente representada pelos escritos dos Srs. Joaquim Bensaúde (L'Astronomie nautique au Portugal à l'époque des grandes découvertes, Berna, 1912, pp. 59-63, nota), António Baião (“O matemático Pedro Nunes e a sua família à luz de documentos inéditos”, in Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa, vol. VIII, 1915, pp. 81-121), e Diogo Pacheco de Amorim (“Doutor Pedro Nunes”, in Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, vol. IV, 1934, pp. 168-191).


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