6. Anotações ao De Crepusculis

Rodolfo Guimarães reproduziu em fac-símile o frontispício e as páginas 122 e 123 deste raríssimo livro hebraico, como apêndice à nota “Um trecho do livro Sefer Mangjan Gannin de Joseph dei Medigo”, publicada no Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa, vol. X (1916), pp. 247-248; deste lugar as reproduzimos, acompanhando-as da seguinte tradução que amavelmente os Srs. Moses B. Amzalak e Mendel Driesendruck proporcionaram à Comissão:

“Proposição 35.a

“Como do conhecimento da altura de qualquer estrela, de noite quando desaparece a luz solar do lado ocidental ou de manhã quando começa a brilhar no oriente, e do conhecimento da latitude do lugar saberemos o comprimento da noite, conforme o tempo ou a posição do Sol na eclíptica.

“Pedro Nunes, homem grande na sapiência, de origem judaica, observou no ano de 1541, em 1 de Outubro, no castelo da cidade de Lisboa, de noite, quando o firmamento do céu era claro e limpo de nuvens e determinou com o instrumento a altura da estrela lúcida da constelação do Escorpião, chamada Coração do Escorpião, que era de 5 graus acima do horizonte ocidental. A longitude da estrela acima mencionada é, no catálogo de Ptolomeu, 216 graus a que aumentarás 28 que é, pela opinião de Copérnico, o deslocamento do princípio da constelação do Carneiro", será a sua longitude verdadeira na época acima mencionada o quarto grau do Arco e a sua latitude 4 graus do sul; por isso, pela segunda proposição encontrarás a sua declinação 24 graus e 56 minutos do sul e pela proposição 20 será a sua ascensão recta 241 graus e 10 minutos e destas concluirás, pela proposição 12.a, a sua altura meridiana que é de 26 graus e 24 minutos e, pela proposição 16.a, encontrarás 60 graus e 19 minutos de distância da estrela ao meridiano. E, estando o Sol neste tempo em 18 graus de Libra, a sua ascensão recta era 196 graus e 35 minutos e a diferença das ascensões rectas era 44 graus e 35 minutos e por isto, conforme a proposição 18.a, será o arco percorrido pelo Sol desde o meio-dia até este momento 104 graus e 54 minutos e deste andamento do primeiro movimento diminuirás o arco semi-diurno deste tempo que é, pela proposição 9.a, 84 graus e 18 minutos e ficarão 20 graus e 36 minutos e é este o arco que representa o crepúsculo vespertino, isto é, 1 hora e 22 minutos aproximadamente.

 “Desta maneira procederás com todas as alturas, mesmo as de madrugada quando a estrela sobe, antes do Sol, no oriente. Mas isto necessita rectificação por causa da alteração da posição aparente do Sol devida à refração dos raios luminosos. Noutro lugar alargarei mais as palavras e explicações, mas ficarás sabendo que o começo da noite não será antes do Sol ter descido abaixo do horizonte 15 graus, ao anoitecer, e o seu fim, ao amanhecer, não irá além de 18 graus e pela opinião de poucos, 20 graus depois do pôr do Sol será ainda crepúsculo. No livro Força de Deus falarei nisto com a ajuda do Senhor e, pelo que ficou dito, nos horizontes muito oblíquos, próximos dos pólos, serão nas noites de verão os crepúsculos compridos, corno na cidade de Vilna, quando o Sol se põe no ocidente, brilha o oriente e há crepúsculo toda a noite”.

P. 94, 1. 8: gra..84. mi. 18] Cumpre corrigir o lugar correspondente da tradução, p. 239, 1. 16, pois em vez de 84 graus e 18 minutos imprimiu-se 84 minutos e 18 segundos.

P. 95, 1. 15: gradus (...) 16 minuta duo] Determinando esta grandeza do arco do Sol abaixo do horizonte no fim do crepúsculo, Pedro Nunes resolve um problema que deixara em suspenso e consequentemente elimina a pressuposição que provisoriamente admitira deste arco ser de 18 graus (ver hic, p. 44, 11. 8-11, e respetiva anotação).

Cumpre notar que a grandeza de 16° 2' foi indicada por Clávio no escólio da proposição final da já citada Digressio geometrica de crepusculis, como mera informação: “Ego certe negue illud audeo affirmare, negue negare”; R. Wolf, porém, em 1890, no já citado Handbuch der Astronomie I, p. 476, afirma categoricamente que o cálculo de Pedro Nunes está de acordo com o número modernamente admitido: “Wãhrend Alhazen.= 19° annahm, findet sich in Nonius, De crepusculis. Olyssipone 1542 in 4•0 nach Beobachtungen in Lissabon a=16° 2' angegebeh, womit auch die neuere Zeit übereinstimmt- So erhielt Bravais (vgl. Ann. mét. 1850) aus Beobachtungen auf dem Faulhorn a=16°,0, — I. Schmidt (vgl. A.N. 1495 von 1865) aus Beobachtungen in Athen im Mittel a=15°,9, dabei aber konstatierend, dass bedeutend variiere, namentlich im Sommer Minimalwerte und im Winter Maximalwerte annehme, — und auch G. Hellmann f and solche Variationem bestãtig (vgl. Oesterr. Z. f. Met. 1884), setzte für das mittlere Europa und die Morgendãmmerung a=18°, fur die Abenddãmmerung aber nur a.=-15°,6, und graubet, dass teus mit der geographischen Breite, teus mit der Feuchtigkeit zunehme”. Veja-se adiante a anotação à p. 120, 1. 41.

No vol. I destas Obras, p. 332, dissemos que não havíamos apurado um facto que permitisse fundamentar com segurança uma hipótese plausível acerca da cronologia do Astronomici introductorii de spxra epitome, mas esta correcção da grandeza tradicionalmente admitida implica a certeza de que esta obra foi escrita anteriormente ao De crepusculis e a verosimilhança de o ter sido também em relação ao Tratado da sphera.

Com efeito, Pedro Nunes admite no De spwra epitome (vol. I, p. 265, 11. 23-25), sem sombra de dúvida, que a distância é de 18 graus: “(...) luce crepusculina, quod Sol ad nos ueniens, partibusque 18 ab horizonte distans, superum hemisphwrium illuminare incipiat (...)”, o que evidentemente só podia ter sido escrito antes do De crepusculis, isto é, da Prop I. (ver supra a anotação à p. 44, 1. 8) e desta Prop. XVI.

O passo que comentamos parece inculcar ainda outra consequência de cronologia relativamente ao Tratado da Sphera, de D. João de Castro, dado à luz em 1940 por A. Fontoura da Costa. No preâmbulo (pp.XI-XII), escreveu este nosso saudoso confrade que “não deve haver dúvida” que D. João de Castro “o escreveu na índia, durante o seu curto governo de 1545 a 1548 (...). Nele mostra D. João que não esqueceu, e bem soube aproveitar, as proficientes lições do seu grande mestre Pedro Nunes”.

Desconhecemos as razões que levaram Fontoura da Costa a fixar tão categoricamente a cronologia deste escrito, e contra a sua opinião afigura-se-nos verosímil que D. João de Castro o redigiu antes de 1542, isto é, da publicação do De crepusculis, em virtude das seguintes linhas do Tratado da Sphera (p. 80):

“D. — Antes que o sol nasça quantas graos abaixa do Orizonte [e] começa aluminar este nosso Hemispherio?

“M — Segundo Ptolomeo 18 graus e à luz do Sol posto e à dante manhã que dura enquanto o Sol anda e desanda estes 18 graos chamamos crepusculos”.

Este passo é evidentemente eco da doutrina tradicional acerca do crepúsculo e, em especial, dos períodos correspondentes da Sphera de Sacrobosco; dadas as relações científicas de D. João de Castro com Pedro Nunes e a feição didática do seu Tratado não parece verosímil que o houvesse escrito depois da publicação do De crepusculis.

P. 99, 1. 20: per 12. propositionem primi libri Gebri] Refere-se à seguinte proposição do livro Gebri Filii Afila Hispalensis. De Astronomia libri IX. In quibus Ptolomwum, alio qui doctissimum, emendauit: alicubi etiam industria superauit omnibus Astronomix studiosis haud dubie utilissimi futuri, fiEliciter incipiunt, impresso em Nuremberga em 1534, sob a direção de Pedro Apiano (ver vol. I, p. 292):


?>
Vamos corrigir esse problema