Sobre a erudição de Gomes Eanes de Zurara (notas em torno de alguns plágios deste cronista)

E Arristotilles no 3.º livro dos Topicos diz: nenhuu deve descolher os moços guyadores dos exercitos guerreadores, por que cousa manyfesta he que nom som prudentes. Segundo que se lee em o sexto livro de Pollicrato, tres cousas som que fezerom os romaãos vencedores das gentes, Sabedoria, Exercicio, Ffe, Sciencia de bem reger, Exercicio das armas e ffe em manteendo o que prometiam; por que, segundo se prova pellas defiigoões da prudencia, prudencia he hua sabedoria e sciencia per a qual o homem conhece ordenar e em devyda fym encamynhar as cousas que ha de fazer. E por isso dizia Platom: “Entom sera bem aventurado o mundo e a terra, quando os sabedores comegassem de rreynar, e os Rex de saber “; o qual dicto de Platom nembra Boecio em o livro prymeiro da Conssollaçom da Ffillosofia per taes pallavras: “E tu, dizia a fillosofia a Boecio, que a ssentença de Platom per tua boca muytas vezes louvaste, bem aventuradas as cousas publicas se ellas forem regidas e governadas per sabedores, ou se os regedores dellas aquecem seer sabedores”. Leesse ainda no livro oitavo do Pollicrato :”Os romaãos emperadores e seus regedores e duques, nom me nembra que o bem publico nom fosse melhorado em quanto elles forom sabedores e leterados, e nom sey como aqueeceo, ca logo como a virtude do saber em elles enfraqueceo, logo enfermar começlou a maão da cavallaria. E nom sem razom, por que sem sabedoria nom pode muyto durar o pryncipado".

E porem diz de ssy a ssabedoria aos oito capitulos dos Proverbios: “Per mym reynam os Rex e os pryncipes son senhores”. E certo destas autoridades bem se demostra que compre aos pryncipes seer prudentes“.

(Págs. 215-216).

Do Regimento de Principes, versão e glosa de Fr. Juan Garcia de Castrojeriz, I, 93:

“... los reyes mucho deven ser sábios e prudentes, más que ninguno de los otros ommes, porque la su sabiduria ha de aprovechar a todos los sus súbditos, e por ende dice el Filósofo en el III libro de las Eticas, que ninguno deve escoger a los mancebos por principes ni por cabdillos, porque no es cierto que ellos son sabios. E concuerda esto muy bien con el dicho del sabio en los Proverbios, que la sabiduria sobre todas las cosas es necessária a los principes e a los governadores. E desto cuenta Policrato en el VIº libro, que tres cosas ficieron a los romanos ser sennores de todas las gentes : la primera fué sabiduria; la segunda, uso en armas; la tercera, fidelidad en sus obras e en sus fechos.

Ca aquellos que escogian por caballeros facianles jurar que siempre estarian por la comunidad e que farian todo su poder por la llevar adelante. E eso mismo dice Petronio, que bieneandante era el mundo do reynaban los sabios, e cuando los reyes comenzaban a aprender la sabiduria. E de esto dice Boecio en el I.º libro de la Consolacion, que el siglo era dicho dorado cuando reynaban los sabios e el reynado estaba en los sabios.

Onde cuenta Policrato en el IVº libro que de mientras bien fué en la comunidad de Roma no se acuerda que los principes romanos fuesen sin letras e sin sabiduria, e despues que fallescia la virtud de las letras en los principes fud enferma en ellos la mano de la caballeria armada e fué corta la raiz del su principado e sennorio, e esto no sin razón, ca los príncipes no pueden mucho durar en su sennorio sin sabiduria... "

O paralelismo das duas redações é manifesto, tornando-o como que evidente a circunstância da frase armatae militiae manus ter sido traduzida, respetivamente, por la mano de la caballeria arrnada e por a maão da cavallaría, pois é improbabilíssimo que a palavra — cavalaria,

densa de sentido no século XIII e já anacrónica e insuficiente no século XV para exprimir o conteúdo bélico do conceito de militia, tivesse ocorrido identicamente aos dois tradutores de fala diferente e distanciados no tempo e no lugar.

A influência do doutrinal de Egídio Romano e a leitura da versão de Fr. Juan Garcia, talvez mais vivas uma e outra em tempos de D. João I que nos de D. Duarte, atingiu ainda o reinado de D. A opinião volve-se, porém, em certeza, quando se examinam as citações de Zurara, pois é fora de dúvida que o cronista também conheceu o doutrinal de Egídio Romano e utilizou a versão castelhana.

Em primeiro lugar, cita-o expressamente, com o título da obra e nome do autor, na Crónica de Ceuta e na de Guiné, sendo nesta com todas as mostras de quem manuseia um livro presente: “como diz Frey Gil de Roma, na primeira parte do primeiro livro do Regimento dos Principes” (cap. XVI) cita-o em segundo lugar somente pelo título (C, 254 e P, 238), e cita-o ainda pela forma indireta de Policrato (C, 201), como já o haviam citado o infante D. Pedro e D. Duarte.

Na continuidade de uma tradição doutrinante, que vinha pelo menos desde o advento da dinastia de Avis e à qual se não furtou, ao que parece, Fernão Lopes, o De regimine principum de Egídio Romano foi lido por Zurara, que ao citá-lo talvez tivesse presente um dos manuscritos que existiam na livraria de D. Duarte. Para explicar as citações do cronista não há, pois, necessidade de recorrer ao vago e indeterminado das “relações literárias que existiam entre Portugal e a França, e outros países nos últimos tempos da Idade Média”, como fez o Visconde de Santarém.

Se algo há que acentuar, é, sob o ponto de vista externo, a persistência de uma tradição bibliográfica e doutrinal, cujas raízes e manifestações cremos ter posto a claro; e sob o ponto de vista interno, o facto de Zurara ter lido Egídio Romano com olhos de súbdito, pelo que atendeu principalmente ao livro I, que se ocupa dos requisitos morais do Poder, ao contrário do infante D. Pedro, que o leu com olhos de dirigente, e portanto se deteve com mais vagar no livro III, cujo assunto é o exercício do governo real.

V) ESCRITORES ISRAELITAS E ÁRABES

Josefo, Abilabez, Alfarjano, Rabi Mousem, Alcabom Radião e Avicena são os nomes de escritores semitas que ocorrem na pena de Zurara.

O apelido do autor das Antiguidades Hebraicas [Flévio] Josefo, aparece citado na Crón. de Guiné (cap. LXI), mas a citação não é da autoria de Zurara, pela razão simples de ser única no conjunto da obra do cronista e ocorrer numa página que é inteiramente copiada da General Historia, como pela primeira vez mostrou o Dr. Duarte Leite.

O segundo autor é citado na Crón. de Ceuta, neste passo do cap. II (p. 10) relativo à origem da disputada cidade do Estreito:

“E conta della [Cepta] Abilabez que foy grande doutor antre os mouros que esta çidade foy fundada depois da destruiçam do deluuio duzentos e trinta e tres annos e assi auia aaquelle tempo que ella foy filhada quatro mil e duzentos e oitenta e tres annos e auia oitoçentos e dezoito annos que era em poder de mouros. E diz que o fundador della foy seu neto de Noe. e que esta foy a primeira que elle fundou em toda aquella terra dAffrica. e que por tanto lhe poz nome Cepta que quer dizer em lingua caldea começo de fermosura. e diz que mandou escreuer huüas letras na primeira pedra que se poz no aliçeçe. Esta he a minha çidade de Cepta a qual eu pouoei primeiramente de companhas de minha geraçam. os seus çidadaõs seram estremados de toda a nobreza dAffrica. Dias viram que sobre o seu senhorio se espargera sangue de diuersas naçoões e o seu nome durara ata o acabamento do derradeiro segre.”

Estes períodos têm a marca visível da transcrição de umas páginas que não logramos determinar, mas que em 1648 o renegado Jerónimo de Mascarenhas ainda teve presente quando redigiu as seguintes linhas da Historia de la ciudad de Ceuta, de evidente parentesco com as de Zurara:

“No falta escritor Africano (refierele Luis de Marmol) q'atrebuye su fundacion á un nieto de Noe, ducientos i treinta arios despues del diluvio general, llamado Ceit; que en Caldeo vale lo mismo que, prin-cipio de hermosura; por ser la primera fundacion de toda Africa. Hallose en una çanja de sus çimientos esta letra: Io poble de mi linage esta ciudade: sus habitadores seran famosos: tiempo vendra en q' sobre su dominio se esparcirá mucha sangre de naciones diversas; i asta el ultimo siglo permanecera su nombre.»


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