Evolução espiritual de Antero

Reunindo deste modo na sua unidade, agora consciente, a causa e o fim, a sua autonomia é completa”.

Consequentemente, segundo esta conceção do espiritualismo, “o espírito define-se como uma força autónoma, que se conhece na sua íntima natureza, que é causa dos seus próprios factos e só às suas próprias leis obedece, que a essas leis submete os factos objetivos e só assim lhes dá significação e realidade, que a si mesma determina o seu próprio fim, que existe em si e em si encontra a sua plenitude. Sendo a força autónoma, consciente e plena, é a força por excelência, a força-tipo”.

Se lançarmos uma vista retrospetiva sobre os resultados finais, antitéticos, da filosofia científica da Natureza e da reflexão sobre a estrutura irredutível do espiritualismo, encontra-se um denominador comum, o qual descobre o caminho da síntese: o espiritualismo resolve-se “num dinamismo psíquico, assim como o materialismo da filosofia científica da Natureza se resolvera num dinamismo mecânico”.

Estes dois termos — dinamismo psíquico e dinamismo mecânico — indicam não só, segundo Antero, a posição do problema filosófico como a linha geral, da superação da antítese, a qual, como é óbvio, deve procurar-se “no terreno do dinamismo, que é justamente o da ideia moderna fundamental, a ideia de força”.

Nesta síntese, o materialismo e o espiritualismo coincidem, enquanto resolvem a realidade num sistema de forças. A noção de força, porém, é diversa nas duas interpretações fundamentais, pois, segundo o materialismo, as forças são abstratas, cegas e passivas, e segundo o espiritualismo, concretas, racionais e espontâneas, “por conseguinte, forças imperfeitas num caso, perfeitas noutro. Ora como é a força perfeita que é o tipo da força imperfeita, é esta naturalmente que tem de ser explicada por aquela: é a forma superior de ser que fará compreender a inferior, e não o inverso. O dinamismo psíquico será, pois, a chave do dinamismo mecânico. O espiritualismo dará ao materialismo o que lhe falta, completando-se, por esta insuflação, do espírito na matéria, a compreensão ao mesmo tempo positiva e especulativa do Universo”.

 “Temos, pois, conhecido o terreno da síntese do pensamento moderno, o dinamismo, e o processo adequado à realização dela, a interpretação do mecanismo pelo psiquismo”.

Esta “explicação da essência oculta do mundo fenomenal pela essência do espírito, patente na consciência”, não significava para Antero o regresso ao idealismo transcendental e ao método de construção da filosofia alemã pós-kantiana; pelo contrário, afigurava-se-lhe indutivamente rigorosa e de perfeita harmonia com a atividade constitutiva do entendimento humano.

Pensar o Universo é supor logicamente que ele é racional, e esta suposição é absolutamente necessária e irresistível, porque sem ela o pensamento da realidade seria impossível, e “nem propriamente haveria realidade”.

“O puro subjetivismo de Kant, ou é nada, sendo meramente negativo, ou então envolve, como Fichte, Schelling e Hegel o entenderam, a afirmação e o que se poderia chamar a demonstração imediata e intuitiva da identidade do ser e do saber '“.

A identidade do sujeito e do objeto, do ser e do saber, indemonstrável dialeticamente, contém-se implicitamente no próprio ato do pensamento e “na espontaneidade da consciência tem o carácter da evidência”. “Se pensar é afirmar a racionalidade do Universo, e se, por outro lado, a razão está contida na unidade do espírito e é dela indissolúvel como o ato é indissolúvel da sua substância, a racionalidade do Universo pressupõe necessariamente uma semelhante unidade. A razão do Universo pressupõe, por conseguinte, uma substância de que seja ato, e essa substância não pode ser concebida senão como fundamentalmente análoga ao espírito”. Essa substância, o nuomenon, “que Kant procurou em vão pelo caminho da crítica e declarou inatingível, existe em nós, contém-se no espírito, ou antes é o próprio espírito”.

Antero considerava esta descoberta do espírito como nuomenon uma aplicação rigorosa da indução. Operou, sem dúvida, uma passagem que ultrapassa os limites da inferência indutiva, mas que permitia o que mais lhe importava, ou seja, o salto para o Absoluto mediante o conceito da razão como medida do mundo objetivo e a generalização “dos elementos fundamentais do espírito tomado na sua unidade, como processo de interpretação da substância oculta desse mesmo mundo”. O caminho da síntese do pensamento moderno estava agora patente, e essa síntese “partirá do conhecimento do espírito para o conhecimento do verdadeiro ser dessa aparência fenomenal, que a conceção científica apenas deixa ver pelo seu lado exterior e mecânico”.

“O espiritualismo renovado e o neokantismo”, que deve entender-se no sentido do idealismo de Fichte, de Schelling e de Hegel, e não no do ulterior “retorno a Kant” que veio a exprimir-se principalmente pela escola de Marburgo, deram-lhe, assim a chave para a solução dos problemas do conhecimento e do ser. “É uma interpretação da realidade no ponto de vista do espírito e nada mais. O Universo não é criado pela especulação: é anterior a ela, e é a experiência que lho fornece; mas fornece-lho como um símbolo obscuro que ela, a especulação, tem de interpretar à luz das noções da consciência. Assim como só a consciência explica a sensação, ponto de partida da Ciência, assim também só o espiritualismo, que parte da consciência, pode explicar a conceção mecânica do Universo, último resultado da elaboração científica”.

Nesta interpretação, portanto, a Ciência e a Metafísica não são rivais nem opostas. Ambas colaboram para criar o verdadeiro realismo e o saber total, “ao mesmo tempo positivo e metafísico, experimental e especulativo, tomando o ser na sua unidade, da qual o espírito só arbitrária e violentamente pode ser amputado, e na ordem de desenvolvimento dos seus momentos, dos quais o espírito é o superior e o típico”.

Vimos que os resultados últimos da filosofia científica da Natureza e do espiritualismo implicavam duas antíteses: mecanismo-espiritualismo, e determinismo-liberdade. A interpretação do mecanismo pelo psiquismo foi a síntese da primeira dessas antíteses; mas esta síntese é como que limitada, porque não resolve a antítese — determinismo--liberdade —, verdadeiro ponto nodal da filosofia contemporânea e “formidável” somente na aparência.

A solução desta antítese, do maior alcance para a ética, que é o reino da liberdade, encontrava-a Antero no terreno da ideia de espontaneidade.

Sabemos já que, a seu juízo, a noção de espírito envolve as de força e causa, isto é, o espírito é uma força-causa; consequentemente, as suas “determinações partem radicalmente da sua mesma natureza e têm, para dentro da esfera dos motivos externos, aparentes e mecânicos, por verdadeiros motivos estados íntimos”. A crítica do mecanicismo mostrou-lhe também que todas as forças do Universo são no fundo análogas ao espírito, “e participantes em grau mais ou menos pleno, da sua essência, todas elas sem exceção, têm de ser concebidas como essencialmente forças-causas”.


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