Evolução espiritual de Antero

Tal era, para Antero, a síntese do pensamento moderno, e que pode qualificar-se de Espiritualismo Absoluto, entendendo por tal a conceção que situa no Espírito o início e o termo de tudo que existe, se se não preferir caracterizá-lo como expressão do “misticismo científico e positivo” para empregar os próprios termos da carta de Antero (1885) a Faria e Maia.

O plano de desenvolvimento deste último ideário das Tendências — filosofia da Natureza, do Espírito e da Pessoa ou da moralidade — radica e enquadra-se nos moldes da metafísica do idealismo alemão. “O Hegelianismo foi o ponto de partida das minhas especulações filosóficas, e posso dizer que foi dentro dele que se deu a minha evolução intelectual”, disse na Carta autobiográfica, e salta à vista, com efeito, que, nas Tendências Gerais da Filosofia, a problemática e respetiva desenvolução obedecem ao intento de superar as antíteses estabelecidas mediante a conciliação de uma síntese criadora, e não a priori, que as compreenda, explique e ultrapasse.

A síntese, que é apresentada como consequência do estado dos conhecimentos e de acordo com todas as exigências da consciência mental e moral, sem quaisquer restrições de probabilidade e muito menos de dúvida, não radica, como as sínteses de elaboração positivista, na generalização de conhecimentos exatos, porque emerge da exigência intrínseca da superação, produzida pela conciliação dos resultados da evolução do pensamento moderno tidos por definitivos. No fundo, Antero teve em vista um problema de metafísica, entendendo por tal a indagação de fundamentos e, principalmente, de fins últimos. A problemática que o ocupou brota inicialmente do anelo da liberdade e desenvolveu-se com o intento da conciliação do dinamismo de Leibniz, com o criticismo de Kant no terreno da realidade do espírito, ou, por outras palavras mais precisas, na diretriz do idealismo alemão, especialmente de Fichte. Daí, o pensamento de Antero ter, pela raiz, a sigla da sua personalidade e da sua própria experiência intransferível, e pelo desenvolvimento, conexões que o prendem e enlaçam a determinadas correntes de ideias.

A liberdade, com efeito, fora o alento da sua atividade de homem--novo e constituíra o tema mais atrativo das suas leituras da mocidade e que se lhe tornou como que o módulo dos seus juízos. Ninguém, porém, filosofa sem haver sentido uma inquietude mais ou menos profunda acerca da própria existência ou ter pressentido ou pressentir o clarão de uma ideia compreensiva ou de um valor decisivo. Em Antero, a liberdade, ou mais propriamente a subjetividade irredutível da consciência, foi, a um tempo, a intuição e o clarão iluminante, que eticamente lhe deu o sentimento da autonomia e compreensivamente a noção da insuficiência de toda a explicação que não tome em linha de conta este dado. Consequentemente, Antero partiu da consciência viva da sua personalidade, e a partir dela considerou as relações humanas e a realidade natural —, o que importa dizer que foi intrinsecamente idealista, quer na maneira de estimar o conviver social, quer ainda na de considerar o mundo natural, que só é tal pela referência à consciência pensante.

Se a raiz e o guião do pensamento de Antero foram, assim, nativa e constitutivamente pessoais, o desenvolvimento e a sistematização das suas conceções operaram-se por influências e correlações com o pensar alheio.

Antero leu muito, informando-se não só filosoficamente, mas também sobre o estado do saber científico, e meditou continuadamente, refletindo tanto sobre o teor dos pensamentos como sobre a respetiva ordem e conexão lógica, pelo que é arriscado discriminar as fases da elaboração das conceções e particularizar a procedência dos respetivos materiais. Não obstante, temos por seguro que as leituras que mais ativa e poderosamente influíram na constituição e no teor do pensamento das Tendências foram a Philosophie de l'Inconscient, de Eduard von Hartmann, traduzida por Désiré Nolen (2 vols., Paris, 1877), e a tese por este apresentada à Universidade de Paris, La critique de Kant et la métaphysique de Leibniz. Histoire et théorie de leurs rapports, Paris, 1875.

Hartmann, com efeito, partilha com Hegel o magistério filosófico na mente de Antero; se este foi o seu mestre na mocidade, não propriamente pela leitura direta mas pelos livros de Vera e de Remusat, o filósofo do Inconscinte foi o seu mestre na maturidade —, ao princípio, pela influição da conceção pessimista, e mais tarde, já liberto dos juízos desvalorativos da Vida, pelo teor de algumas conceções que se lhe afiguravam consistentes, em virtude da correlação com os resultados científicos e com as exigências do pensamento coerente.

Estas conceções, bem visíveis no fundo e na traça das Tendências, são as seguintes: a matéria não é massa inerte, antes se resolve em espírito, isto é, em atividade e ideia; no ser, há continuidade, e não hiatos; a unidade do princípio espiritual está presente, em graus diversos, em todos os seres e estratificações da realidade; reconhecimento do mecanicismo na explicação científica e respetiva insuficiência na explicação integral do ser; conciliação do mecanicismo e da teologia; explicação da realidade pelo atomismo dinamista (substituído em Antero pelo dinamismo psíquico) e, finalmente, o repúdio da filosofia da Natureza do idealismo alemão e aceitação dos princípios fundamentais da metafísica de Hegel e de Fichte.

Se bem considero, a influição da Filosofia do Inconsciente deu-se principalmente no contexto e teor do pensamento, pelo convencimento em que o deixou a necessidade da causa final para explicação cabal da realidade natural. Esta foi, porventura, a ideia suprema com que Hartmann influenciou o pensador das Tendências, cujo espírito, aliás, estava como que preparado para a acolher e parece ter relacionado a explicação teleológica com a revisão dos pressupostos dogmáticos do Materialismo, que Lange, no prosseguimento do programa de “retorno a Kant”, empreendera na História do Materialismo (1866), principalmente pela justificação da irredutibilidade do psíquico e do físico, ou seja o mundo do espírito e o da matéria.

A explicação teleológica não era, evidentemente, invenção de Eduard von Hartmann, mas o filósofo do Inconsciente como que a rejuvenescia e atualizava, pelo vigor com que procurava mostrar que a causa final e a causa eficiente são aspetos derivados de uma “substância absoluta”, de uma realidade suprema e última, que se manifesta como “vontade” e como “ideia”, como “movimento” e como “sentimento”.

A influência da tese de Désiré Nolen deu-se, por seu turno, no estabelecimento da problemática inicial das Tendências e na estruturação e diretriz da respetiva desenvolução. Dissertação expositiva das filosofias de Leibniz e de Kant enquanto sistemas cujas diferenças e correlações suscitaram a conciliação e superação das metafísicas de Fichte, Schelling e Hegel, sugeriu a Antero uma visão do desenvolvimento da filosofia moderna segundo a qual a problemática de mais profundo significado tem por objeto a síntese dos resultados científicos e dos da especulação.

Este é, como dissemos, o problema inicial e nuclear das Tendências, aliás simples e claramente indicado em A “Filosofia da Natureza» dos Naturalistas, e este problema, traduzido em termos históricos, tem por objeto a conciliação da monadologia de Leibniz com a crítica de Kant em ordem à constituição de uma nova metafísica compatível com o estado dos conhecimentos científicos e com as exigências da especulação.


?>
Vamos corrigir esse problema